Em outubro deste ano, Sérgio Machado (Cidade Baixa) lançou o filme Aqui Deste Lugar (co-dirigido por Fernando Coimbra), sobre três famílias beneficiárias do Bolsa Família, programa de transferência de renda do Governo Federal. O novo longa-metragem de Machado, Tudo que aprendemos juntos, filmado antes do documentário mas que chega aos cinemas só agora em dezembro, guarda a mesma essência de seu trabalho com Coimbra: um tom esperançoso com a juventude mais pobre do Brasil, em uma tentativa de humanizá-la, para longe dos estereótipos. Estrelado por Lázaro Ramos, Tudo que aprendemos juntos alcança esse objetivo, em um filme bastante envolvente.
O longa-metragem se insere no contexto de filmes brasileiros que retratam o cotidiano das favelas, mas focando em questões além da violência urbana, como também visto em Antônia, de Tata Amaral, e Bróther, de Jeferson De. A semelhança com o primeiro é ainda maior, pois a obra de Tata também mostrava a música como uma das alternativas para um futuro longe do tráfico e do crime.
O próprio diretor, questionado pelo repórter sobre a relação do novo longa-metragem com o Aqui Deste Lugar, reforçou essa ideia de que o filme traz uma visão esperançosa da juventude. Em um primeiro encontro com os alunos, Machado ficou pasmo com o quanto todos aqueles garotos já tinham sofrido na vida e diz ter voltado para casa chorando. “No dia seguinte, chorei ao contrário”, afirma, pois pediu para cada um mostrar os seus talentos e ficou emocionando. “Foi aí que eu percebi que esses meninos não são o problema para o país, eles são a solução. Basta ter um pouquinho de combustível que o cara vira um foguete”, explica. No documentário, o incentivo era o Bolsa Família. Em Tudo que aprendemos juntos, o incentivo é a educação artística.
Baseado na peça Acorda Brasil, de Antonio Ermírio de Moraes, o longa-metragem retrata o nascimento da Orquestra Sinfônica de Heliópolis a partir do personagem Laerte (Lázaro Ramos), um músico focado e rigoroso. A primeira impressão que o público tem dele é ruim: irritado com os erros de uma colega de seu quarteto, ele parte para uma ofensiva machista, dizendo que ela tocava melhor antes de colocar silicone nos peitos. Mesmo assim, é fácil simpatizar pelo personagem, apesar de ele não ser, em um primeiro momento, nada simpático – é um homem com problemas, solitário, o que chega a dar pena, até porque, na cena inicial, o violista mal consegue começar a tocar o instrumento em uma importante audição na OSESP.
Imagine então a cara de Lázaro Ramos na cena em que ele vai para a sua primeira aula em uma escola na favela de Heliópolis (Zona Sul de São Paulo) e é recebido com música por seus novos alunos: os garotos são terríveis, e, apesar da poker face do protagonista nesse momento, qualquer pessoa sem o menor conhecimento em música pode perceber que Laerte terá muito trabalho pela frente. E, além da aparente falta de talento da turma, com exceção do garoto Samuel (Kaique de Jesus), o novo professor tem que lidar com um ambiente que não está familiarizado: uma sala de aula com jovens, em uma comunidade periférica. É um choque cultural de gerações, mas também classista – Heliópolis é um outro mundo.
Mostrando o amadurecimento tanto dos alunos quanto o do professor, o filme coloca a música e a educação como um impulso necessário para o crescimento individual e coletivo das pessoas. Entretanto, faz isso sem parecer panfletário e sem ignorar as contradições: os garotos que querem treinar e estudar, mas são impedidos pois tem que ajudar a família, a trabalhar ou a cuidar do pai alcoólatra. Os garotos que entram para crime organizado, no caso um esquema com máquinas de cartões de crédito. Ou o cotidiano violento da favela, por onde o professor caminha em noites escuras. Entretanto, um violino pode ser algo mais poderoso do que um revolver, como mostra uma bela cena do filme. Atenção também para como a música erudita e popular se encaixam em Tudo que aprendemos juntos, os dois com o mesmo sentido de empoderamento. Na trilha sonora, há uma música do rapper Sabotage, e no elenco, participações especiais de Criolo e Happin Hood.
O filme tem as suas imperfeições, porém, pelo menos em uma cena, em que uma das alunas desabafa em sala de aula. O discurso pesado e emocionado soa forçado demais, para o tamanho do debate que o causou. A menina em questão não é uma atriz e sim uma das alunas reais do Instituto Bacarelli, associação civil com sede em Heliópolis que fornece formação em música para jovens. Pelo o que o diretor explicou na coletiva, muito dos que os garotos dizem no filme é improvisado, e tem a ver com a própria realidade deles (a maior parte dos alunos no filme não são atores, e sim moradores da região e membros da Orquestra). Falta, porém, um cuidado a mais nessa sequência, e uma atuação mais contida, ensaiada, ficaria mais de acordo com a situação apresentada.
Com uma história simples, Tudo que aprendemos juntos sensibiliza e entretém o espectador, além de trazer muitas questões sobre a atualidade da periferia para serem debatidas.
| Gabriel Fabri
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*O Blogueiro assistiu ao filme a convite do site Mundo Blá.
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