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terça-feira, 27 de outubro de 2015

Dicas da 39ª Mostra


Por Gabriel Fabri

A 39ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo começou e, como já é habitual no Pop with Popcorn, separamos alguns destaques dessa edição. Por motivos de trabalho, a cobertura está menor neste ano. Mas o blog não podia deixar passar batido o maior evento cinematográfico do ano.

Confira:


  • Flocking 
Pouco têm-se falado sobre o drama sueco dirigido por Beata Gardeler. Uma pena, pois em um país onde cresce a intolerância política ou em que um vestibular que propõe o tema "violência contra a mulher" é taxado de esquerdista, Flocking (Flocken) é um filme necessário. 

Ambientado em uma pequena cidadezinha sueca, o filme retrata a discriminação sofrida por Jennifer, uma garota de 14 anos, após ela acusar um garoto de sua classe de abuso sexual. O estupro em si, que até certo ponto o filme deixa em aberto se realmente aconteceu ou não, é apenas o começo do sofrimento da garota, que vê todas as pessoas virando as costas para ela, inclusive as melhores amigas e o padre da cidade. 

O legal no longa-metragem é observar como a comunidade age diante da acusação de Jennifer: não bastasse o ceticismo e a total falta de apoio à garota, os habitantes destilam em cima dela todos os seus preconceitos machistas e promovem uma espécie de "casa às bruxas" velada (ou nem tanto). Agem em grupo, como o nome sugere ("flock", em inglês, significa 'rebanho', 'manada'), com total falta de autocrítica e bom senso.   

O clímax e o desfecho, em que se vai construindo expectativas para saber o que a protagonista vai fazer com a sua vida (e com a dos outros), é perfeitamente angustiante. 


  • Deephan - O Refúgio
O grande vencedor do Festival de Cannes em 2015, Deephan é dirigido pelo consagrado cineasta francês Jacques Audiard (Ferrugem e Osso, O Profeta). Apesar de tocar em um tema caro para a atualidade, a questão dos refugiados na Europa, o longa-metragem derrapa ao tentar falar sobre o drama do personagem principal, um combatente na guerra civil do Sri Lanka. Traumatizado com a violência do seu país de origem, Deephan trabalha como zelador em um perigoso bairro na França, e não tarda a implicar com as gangues juvenis que vivem no condomínio. 

Para imigrar para a França, Deephan se uniu a uma mulher e uma criança desconhecidas, usando passaportes de uma família que morreu nos conflitos. Se focasse no drama de sua família de mentirinha, tentando viver em um novo país desconhecido, vivendo com pessoas desconhecidas dentro de casa, o filme poderia ser melhor. Mas a opção de Audiard em discutir a violência enfraquece a trama, com um clímax exagerado e uma solução simplista para o final, muito aquém das expectativas criadas ao longo do filme.



  • Mistress America
Deliciosa comédia dirigida por Noah Baumbach (Frances Ha), Mistress América conta a história de Tracy (Greta Gerwig), uma garota tímida que acaba de se mudar para Nova Iorque para ingressar em uma universidade. Sem conseguir fazer muitos amigos, ela se aproxima de Brooke (Lola Kirke), que está para se tornar a sua meia-irmã. A personagem de Kirke cativa e surpreende pelo seu estilo despojado e autoconfiante, de modo que o público também sinta o mesmo misto de pena e admiração que sente Tracy, que resolve escrever um conto inspirado em Brooke. O roteiro garante boas risadas.

 

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segunda-feira, 5 de outubro de 2015

Respire



Por Gabriel Fabri

Charlie (Joséphine Japy) é uma adolescente tímida, que guarda para si o segredo de que é virgem. Ela rapidamente se torna amiga de Sarah (Lou de Laage), garota que acaba de chegar na França, após supostamente passar alguns anos com a mãe na Argélia. Exibido na semana da crítica do Festival de Cannes, Respire, de Mélanie Laurent, foca na relação dessas duas mulheres, que não tarda a se tornar intensa demais.  



O longa-metragem constrói com paciência o relacionamento entre Charlie e Sarah. O desenvolvimento lento dessa história é bem sucedido, uma vez que consegue mostrar o quão complicado uma amizade pode se tornar. As duas garotas se desentendem: o motivo, uma soma de pequenos gestos que machucam, mas que para uma não parece grande coisa, como chamar a outra de "colega", ao invés de "amiga" ou, quem sabe. algo mais. A amizade de Charlie e Sarah é permeada pelo erotismo - a inocência da primeira e a rebeldia e a sensualidade da outra gera uma boa química, que as atrizes conseguem captar brilhantemente. As duas conquistam, cada uma a sua maneira, o espectador, que se vê inserido numa relação que parece ser simples demais - mas não é. 

Respire provoca uma reflexão interessante, deixando várias pontas abertas. A obra aponta o quão frágeis são essas relações de amizade - facilmente, elas podem se desmoronar, sem que a intensidade dos sentimentos diminuam. E assim, o filme retoma uma questão que aparece logo no início da projeção: quando estamos apaixonados, somos mais livres ou menos? A linha que separa amizade e paixão aqui é tênue, e isso é o mais interessante em Respire, que deve deixar o espectador bastante transtornado com o seu final (sem dúvidas, o ponto alto do filme).  


quarta-feira, 23 de setembro de 2015

A Pele de Venus


Por Gabriel Fabri

Após adaptar a peça Deus da Carnificina, da francesa Yasmina Reza, no filme de mesmo nome estrelado por Kate Winslet e Jodie Foster, o cineasta polonês Roman Polanski, responsável por clássicos como O Bebê de Rosemary e Chinatown, continua debruçado no universo teatral em A Pele de Venus, o seu mais novo longa-metragem. Agora, o diretor explora os bastidores de uma audição de uma peça, inspirada no conto de 1870 Venus in Furs, de Leopold von Sacher-Masoch.



Após um dia fracassado de testes para encontrar uma protagonista para o seu espetáculo, o diretor teatral Thomas (Mathieu Amalric) recebe uma visita inesperada de Vanda (Emmanuelle Seigner, esposa de Polanski), uma atriz atrasada para os testes. Apesar de se irritar com a persistência da mulher, ele a permite fazer a audição. Quando ela começa a sua atuação, ele se surpreende com o seu desempenho, e os dois, entre as mais diversas discussões sobre o texto e sobre as motivações de Thomas, fazem uma leitura da obra de Sacher-Masoch. Uma curiosidade: o sobrenome deste autor, por conta do conteúdo sexual de Venus in Furs, inspirou a palavra "masoquismo". 

Repetindo o feito de Deus da Carnificina, em que uma simples sala de estar virou palco para as mais interessantes discussões, Polanski constrói uma história envolvente em cima da obra de Sacher-Masoch, ao colocar os únicos dois atores do filme para discutí-la e encená-la. Como se pode esperar, os personagens do filme e do livro se misturam. No fim das contas, o roteiro transcende o conto do autor ao abordar temas como a arte e o feminismo. 

As diversas atuações de Emmanuelle Seigner impressionam, uma vez que sua personagem vai revelando muitas facetas ao longo da projeção. Embora às vezes a atriz pareça estar acima do tom, um tanto exagerada, isso acaba colaborando com o caráter onírico de sua personagem, que pode até não ser real. Afinal, ela tem o mesmo nome da protagonista, sabe todas as falas, sabe tanto sobre Thomas, que uma das leituras possíveis é a de que ela, na verdade, está na cabeça do protagonista. 

Mas essa é apenas uma leitura de tantas que A Pele de Venus traz, um filme complexo, que exige uma reflexão mais apurada sobre o que é apresentado. O que deve provocar mais discussões é a grande sacada do filme, que inverte os papéis do homem e da mulher, como descritos por Sacher-Masoch, abrindo o leque de interpretações para o longa-metragem. Alguns poderão identificar uma atitude feminista do diretor, ao aparentemente endossar a tese de Vanda de que a história de Sacher-Masoch é machista e sexista. Por outro lado, o que Polanski parece estar fazendo aqui, e que é endossado pelo discurso de Thomas, é uma crítica a essas leituras sociais dos filmes. Ao colocar o homem como o submisso da história, o diretor surpreende. E ao mesmo tempo em que mostra que no conto de Sacher-Masoch, que representa uma espécie de fetiche de Thomas, a mulher no fim das contas era vista como dependente ou submissa do homem, ao inverter os papéis, o diretor mostra não ver problema algum com isso. Na vida real, essas relações de dominação/submissão, tiradas do contexto do sadomasoquismo em que isso é um fetiche, são ridículas. Mas um filme é só um filme e não existem regras para as narrativas, ou pelo menos, não deveriam existir. 

Em suma, Polanski entrega uma narrativa em que o homem é fraco, submisso, dependente, diante de uma mulher determinada, manipuladora e misteriosa. É uma total e positiva inversão de papéis, de fato. O mais curioso de pensar em A Pele de Vênus é que: qual o problema de se ter um personagem homem com essas características? Nenhum. Logo, porque o contrário seria um problema também? Mais do que uma problematização política, A Pele de Vênus aparece mais como uma defesa da arte e da liberdade artística, frente ao politicamente correto em voga hoje, do que um tentativa de "moralizar" uma obra do século XIX, apontando os seus "...ismos".

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sábado, 5 de setembro de 2015

Love 3D


Por Gabriel Fabri

Quando Lars Von Trier lançou o seu Ninfomaníaca, o frenesi em torno do longa-metragem foi grande, embalado no marketing que focava no conteúdo de sexo explícito do filme. Tratando-se do diretor dinamarquês, que é persona non grata no Festival de Cannes, pode-se esperar de tudo, menos um produto genérico, comum. Trier brincou com a expectativa do público e lançou um filme provocativo, sim, mas melancólico, diferente do "pornô de arte" esperado. Em Love 3D, que chega aos cinemas nesta quinta-feira (dia 10), Gaspar Noé, diretor do polêmico Irreversível (2002), tentou seguir a mesma linha. O resultado, entretanto, é bastante inferior.



Na trama, Murphy (Karl Glusman) é um aspirante a cineasta. Na manhã do ano novo, ele recebe uma mensagem inesperada. A mãe de sua ex-namorada deixa um recado em seu celular, dizendo que não tem notícias de Electra (Aomi Muyock) há dois meses. Insatisfeito com o relacionamento com sua esposa Omi (Klara Kristin), Murphy entra em crise, com saudades de Electra e com o receio de que ela tenha se suicidado. 

O longa-metragem conta a história de Murphy e esses seus dois relacionamentos de maneira totalmente não linear, entrecortada. A montagem funciona bem, fazendo a história, que é muito simples, ficar interessante, entregando um detalhe de cada vez, de uma maneira estilosa. Em um instante, por exemplo, Murphy está em seu quarto com luz vermelha e com posters de clássicos do cinema como M - O Vampiro de Düsseldorf, de Fritz Lang, e Saló ou os 120 Dias de Sodoma, de Pier Paolo Pasolini. No segundo seguinte, o público vê o mesmo quarto, agora completamente sem personalidade. E o que sobrou do personagem, em seu casamento forçado pela gravidez de Omi, foi um pouco de ópio, que ele mantém escondido em uma embalagem de fita cassete, e uma maquete sugestiva de um tal de Love Hotel (um detalhe insignificante e que se revela uma simples brincadeira com o nome do longa-metragem). 

Além da montagem, Love se destaca pela trilha sonora, que embala as cenas explícitas de sexo. Assim como em Ninfomaníaca, o sexo não está presente para excitar o espectador. Love também é melancólico, triste, e embora as cenas aqui sejam mais sensuais que no filme de Lars Von Trier, Gaspar Noé não deixa a sensação de tristeza escapar - mesmo levando em conta que quase todas as cenas de sexo sejam momentos felizes do passado do personagem. A trilha sonora reforça essa ambientação sexy e, ao mesmo tempo, melancólica. 

As semelhanças com Ninfomaníaca, entretanto, param na questão da tristeza e do sexo. A história em si é bem diferente, o visual também, e em Love há apenas uma tentativa de ser transgressor. Tentativa mal sucedida, por sinal. O recurso em 3D funciona melhor em uma cena que não tem sexo, por exemplo: em uma briga entre Electra e Murphy na balada, as luzes do ambiente saltam da tela, e o resultado é um visual incrível. Fora isso, fica claro que o 3D está aí só para chamar atenção, assim como a tão alardeada cena da ejaculação, com o gozo indo direto na cara do espectador - gratuita, sem nenhum propósito além o de gerar barulho sobre o filme. Há outras coisas desnecessárias, como chamar o protagonista de Murphy em alusão explícita à popular Lei de Murphy, que diz que se algo pode dar errado, dará errado. 

Love não é um filme ruim. Fala menos sobre sexo e mais sobre amor, de sua natureza errática, excitante e melancólica. Deixa as pontas abertas e poderia ser um incentivo para o publico refletir sobre os próprios desejos e medos. Mas, ao tentar ser provocador na cena final, o diretor põe tudo a perder. Gaspar Noé não é Lars Von Trier: se o final surpreendente de Ninfomaníaca reinventava todas as cinco horas de projeção anteriores, colocava novas questões no ar e pedia ao espectador uma nova interpretação da história, aqui o desfecho tenta apenas chocar por chocar, enfraquecendo o filme, que termina parecendo uma obra desesperada por atenção. 

segunda-feira, 17 de agosto de 2015

Sexo, Amor e Terapia

Por Gabriel Fabri

Tão certo quanto a afirmação de que sexo vende é a de que uma história sobre viciados em sexo, ou qualquer outra narrativa que envolva sexo, tem a seu favor tocar no tabu mais hipócrita, e mais gostoso, dos nossos tempos. A comédia francesa Sexo, Amor e Terapia, dirigida por Tonie Marshall, aborda o assunto de maneira descontraída, mas, infelizmente, exagerada.



A premissa é interessante: Lambert (Patrick Bruel) é um viciado em sexo que está há muito tempo em abstinência. Como parte de sua recuperação, ele trabalha como terapeuta de casais com a sua irmã. Ela precisa às pressas fazer uma viagem para cuidar de um parente doente, deixando Lambert sozinho no escritório, com a missão de escolher uma assistente. Demitida do seu último emprego por transar com todos os seus clientes, Judith (Sophie Marceau) mente ter estudado psicologia para se candidatar à vaga. A atração entre os dois é instantânea, entretanto, o homem está empenhado em manter a sua abstinência e o seu profissionalismo intactos. Ao contratá-la, os dois irão juntos aconselhar os mais diversos casais, tentando não deixar o tesão tomar conta de sua relação. 

Com algumas boas risadas, Sexo, Amor e Terapia peca pelos exageros da sua personagem principal. Judith é uma caricatura, tudo em sua personagem exala sexo, como se a mulher não soubesse fazer ou pensar em outra coisa. Fica difícil acreditar em algo tão exagerado e simplório. Enquanto Lambert faz o papel de bom moço, intelectual e controlado, Judith representa o esteriótipo da "puta", sem tirar nem por. Ao redor de homens quase perfeitos - Lambert é viciado em sexo, mas é o "coitadinho" da história -, a personagem de Sophie Marceau perde ainda mais força e complexidade. 

Personagens coadjuvantes, como a mãe de Lambert ou um casal que estava esperando o casamento para fazer sexo, roubam a cena e são o ponto alto do filme, que tem um resultado bastante irregular. 

terça-feira, 4 de agosto de 2015

Gemma Bovery: A Vida Imita a Arte


Por Gabriel Fabri

Quando publicado em 1857, o romance Madame Bovary, de Gustave Flaubert, causou muita polêmica ao tratar do tema do adultério. Imortalizado nos cinemas no ano de 1991, na adaptação de Claude Chabrol estrelada por Isabelle Huppert, o livro ganha agora uma curioso homenagem nas mãos da diretora Anne Fontaine (A Garota de Mônaco).


Em Gemma Bovery: A Vida Imita a Arte, baseado por sua vez na graphic novel de Posy Simonds, Fabrice Luchini interpreta Martin, um velho padeiro aficionado por livros. Quando Gemma Bovery (Gemma Arterton) chega de Londres à Normandia, ele não consegue parar de pensar na coincidência de que uma jovem com o nome muito próximo a Emma Bovary, personagem título do romance de Flaubert, venha viver na mesma cidade em que o escritor escreveu a sua hoje cultuada obra. Martin fica fascinado por ela e começa a fazer todas as conexões possíveis entre a mulher e a personagem.

Com leveza e bom humor, Gemma Bovery aborda temas semelhantes ao romance que o inspirou, como o adultério e a felicidade da mulher no casamento, mas acrescenta, nessa história de muitos amores, o olhar curioso do padeiro - que vive uma vida de monotonia como a da personagem de Flaubert e, podemos deduzir, quer tanto que a vida imite a arte pois quer ter também um amante, no caso, a garota. Fazendo todos os tipos de comparações malucas ao livro de Flaubert, o personagem traz um frescor à história. Mas é a encantadora e sensual Gemma quem rouba a atenção nesse filme, segurando a atenção do espectador no personagem até o final. 

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quinta-feira, 30 de julho de 2015

Beijei Uma Garota


Por Gabriel Fabri

No dia do almoço em família em que anunciaria o seu casamento, Jérémie (Pio Marmaï) acorda na cama de uma garota desconhecida. Poderia ser um começo de uma história de adultério como tantas outras, mas logo descobrimos que ele, na verdade, é gay e vai se casar com outro homem. O que parecia ser uma transa insignificante coloca para baixo todas as certezas na vida do personagem principal de Beijei Uma Garota (Toute première fois), comédia francesa dirigida por Maxime Govare e Noémie Saglio. 


O filme ganha pontos pela criatividade da premissa - hétero que se descobre gay é uma história relativamente comum, já o contrário, nem tanto. A "primeira vez" de Jérémie, portanto, faz o personagem, que aparenta beirar uns trinta ou quarenta anos, voltar à confusão de um adolescente que está descobrindo a sua sexualidade. Gay assumido desde os 15 anos, o personagem passa por muitas situações desconfortáveis agora que começa a descobrir sua atração por mulheres - ou, por uma mulher específica, Adna (Adrianna Gradziel).

Colocados esses termos, Beijei Uma Garota tinha toda a força para ser uma comédia inovadora. Mas sua força fica apenas na premissa, e nas boas atuações de Pio Marmaï e Lannick Gautry - este, no papel de melhor amigo hétero de Jéréme, que é também o seu sócio. O filme tem momentos realmente engraçados e boas sacadas, mas fica um pouco a sensação de que faltou algo. Além de ter certos momentos sem nexo, como fazer Jéréme pular no gelo para provar o seu amor (Qual o sentido disso? E a cena nem é engraçada...). Mas não é nada que atrapalhe a diversão, que é garantida. 

Ao falar sobre sexualidade, o filme de Govare e Saglio sai do "preto ou branco" e acerta ao tratar o tema de maneira leve e não-maniqueísta, mostrando-o da maneira complexa como é. Rende boas risadas, diverte e faz pensar. 

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segunda-feira, 27 de julho de 2015

Adeus à Linguagem


Por Gabriel Fabri

Quem disse que um filme precisa ter uma história? Quem disse que precisa ter começo, meio e fim? Quem disse que precisa fazer sentido? O novo filme de Jean-Luc Godard, um dos nomes mais importantes da Nouvelle Vague francesa, esfrega essas perguntas na cara do espectador: seu filme não tem uma história, não tem começo, meio ou fim e, ainda por cima, não faz o menor sentido. Bem-vindos a Adeus à Linguagem (Adieu au Langage). 


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  • O primeiro longa-metragem em 3D do cineasta não dá "adeus à linguagem", como o nome sugere, mas tenta criar novas possibilidades com a linguagem cinematográfica. Em um ponto, Godard parece realmente original: o 3D juntando duas cenas que acontecem ao mesmo tempo, no mesmo quadro, mostra como esse recurso pode ser utilizado de maneira criativa no cinema. Entretanto, esse é o único ponto que se destaca no filme.

    Propondo uma experiência estética diferente, Godard não só não surpreende como também não diz nada. Colocar uma série de imagens aleatórias de um casal sem roupas e um cachorro, com uma série de frases de efeito e citações complexas sobre temas complexos, não provoca reflexão nenhuma no espectador. É um filme difícil de entender o seu propósito. Um filme feito para dizer nada? É daí que viria uma provocação? A provocação é colocar o espectador uma hora diante de uma tela que nada diz?

    Adeus à Linguagem parece uma extensão preguiçosa do curta que Godard realizou para o filme 3x3D, exibido em 2014 no Cinesesc. Tratando-se de um cineasta que já entregou filmes geniais, provocativos e ousados como Je Vous Salue, Marie, o resultado não poderia ser mais decepcionante. 

    terça-feira, 14 de julho de 2015

    Uma Nova Amiga




    Por Gabriel Fabri

    A primeira cena de Uma Nova Amiga, novo filme de François Ozon (Jovem e Bela, Potiche - Esposa Troféu), causa certo estranhamento. Laura (Isild Le Besco) parece preparar-se para o seu casamento. A maquiagem, o vestido e a marcha nupcial indicam isso. Entretando, o público logo percebe que ela está, na verdade, dentro de um caixão. E a cena da Igreja que vemos em seguida não é a cerimônia do matrimônio, mas sim, um velório.


    Lá, Claire (Anaïs Demoustier) faz um discurso emocionado em homenagem a falecida, sua melhor amiga desde a infância. Em flashbacks, o público rapidamente entende a relação das duas, com Claire sempre à sombra de Laura. Fica claro, a partir daí, que Uma Nova Amiga poderá ser um drama um pesado, uma vez que sua protagonista teria que superar um luto de uma amiga tão próxima, uma relação de amizade, adoração e até um pouco de submissão, quase como a sua segunda metade. 

    Errado. O filme de Ozon segue por um outro caminho - a superação do luto de Claire começa por uma nova amizade: uma aproximação com David (Romain Duris), o marido da falecida. Ao visitá-lo, Claire acidentalmente descobre um segredo do homem, que ele gosta de se vestir de mulher. Flagrado com as roupas de Laura, David acaba sendo incentivado a não mais reprimir o seu lado travesti, se tornando Virginia, a nova melhor amiga de Claire. 

    Homens travestis raramente são alçados a protagonistas nos cinemas. Aqui, Duris brilha no papel do pai de família que, ao perder a esposa, busca consolo liberando algo que sempre reprimiu. Mas ao falar de amizade, de luto e da identidade de gênero, Uma Nova Amiga não cai na comédia pastelão e nem em um drama hardocore - fica um filme leve e que vai, aos poucos, surpreendendo com o desenrolar da trama. E o grande exito se deve porque o filme não brinca só com a sexualidade de David/Virgina, e sim com a de Claire também. Afinal, o que Claire realmente sentia por Laura? Pode a amizade dela com Virginia chegar próxima da relação com a falecida?

    Ao brincar com a complexidade da sexualidade humana, Uma Nova Amiga levanta uma série de questões, mexe com tabus, e resulta em um longa-metragem delicado e bastante interessante. Vale a pena assistir.      


    quinta-feira, 2 de julho de 2015

    Os Olhos Amarelos dos Crocodilos


    Por Gabriel Fabri

    Até onde você iria pela sua irmã que sempre roubou os holofotes de você? No drama francês Os Olhos Amarelos dos Crocodilos, Josephine (Julie Depardieu) usou todo o conhecimento adquirido na sua especialização em história do século XII para escrever um livro best-seller - o problema é que a obra sairia assinada por Iris (Emmanuelle Béart), sua irmã, e não por ela. 



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  • Focado (bom, pelo menos, foi o que tentaram) no relacionamento conturbado entre as duas, o longa-metragem dirigido por Cécile Telerman (Algo Que Você Precisa Saber) possui uma série de subtramas paralelas. O relacionamento de Josephine com suas filhas, com o marido que a deixou para criar crocodilos na África do Sul com a amante, com o marido da irmã, com um moço que ela conheceu na biblioteca, com a sua mãe, que deixa claro que ela é a filha fracassada. Tem ainda o caso do marido da mãe com a secretária, o suposto caso do esposo de Iris, o problema do desemprego, da empresa da família, etc. 

    A trama de Os Olhos Amarelos dos Crocodilos poderia alimentar uma minissérie. Entretanto, falta habilidade na maneira de conduzir a história - o excesso de personagens,  histórias e subtramas pesa, tornando a obra arrastada demais. Na tentativa de dar conta do universo criado no livro de Katherine Pancol, o filme perde o ritmo e o resultado é bastante irregular. Ao tentar dizer muitas coisas, acaba acontecendo o contrário. 

    quinta-feira, 28 de maio de 2015

    O Homem Que Elas Amavam Demais



    Por Gabriel Fabri

    Novo filme de André Téchiné, "O Homem Que Elas Amavam Demais" é a sétima parceria do diretor com a atriz Catherine Deneuve ("Três Corações"), um dos maiores ícones do cinema francês. Nessa história, inspirada em um caso real, a atriz brilha no papel de Renée, a dona de um cassino que enfrenta problemas financeiros. Entretanto, não é nela em que recaem as atenções da história.


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  • Interpretada pela talentosa Adele Haenel ("Amor à primeira briga"), Agnès Le Roux, filha de Renée, acaba de chegar de viagem e quer o dinheiro que lhe pertence, da herança de seu pai. Diante dos problemas financeiros do cassino de sua mãe, ela aceita a demora em receber a quantia, pois consegue abrir a sua livraria sem o montante de 3 milhões de dólares que tinha direito. Imediatamente após chegar dessa viagem, o homem que vai buscá-la desperta na garota uma certa curiosidade. Ele é Maurice Agnelet (Guillaume Canet), braço direito de sua mãe. 

    Téchiné altera com sutileza os pontos de vista ao longo do filme. No começo, todas as atenções são voltadas ao tal homem, que agrada mãe e filha, mas de maneira que nunca deixa de ser suspeita para o espectador. O estilo do personagem ao tentar fazer de tudo para que Renée seja presidente do conselho causa desconfiança desse o começo. Está plantada uma semente essencial do filme, que logo passa a focar as atenções totalmente na filha, que começa a se sentir atraída pelo homem, mesmo sabendo que ele tem várias amantes. No final, o foco narrativo muda novamente, recaindo sobre a mãe.

    Agnés é a personagem que torna o filme interessante. Isso pois ela é quase indecifrável. A linha entre a manipulação de Agnelet sob ela e o que ela realmente sente e deseja é tênue, e as duas coisas realmente se confundem. É uma personagem errante, parece adolescente quando se apaixona pela primeira vez - mas no seu relacionamento com Agnelet, há muito mais coisas envolvidas que um romance convencional. Há poder e dinheiro. E Agnés parece muito decidida, mas, ao mesmo tempo, parece perdida. Forte e ingênua. Quanto mais próximos dessa personagem, mais confuso o espectador pode ficar. 

    "O Homem Que Elas Amavam Demais" é um filme esquisito, pela complexidade dessa personagem principal, pelos movimentos de câmera rápidos e pelo desenrolar da narrativa. Esquisito não quer dizer ruim, pelo contrário. É um longa-metragem interessante, que prende atenção, e que, ao final, deixa um mistério, uma ponta solta, como na história real. 


    segunda-feira, 27 de abril de 2015

    Três Corações


    Por Gabriel Fabri

    Uma música de suspense logo nos créditos iniciais traz uma atmosfera pouco usual para um filme de romance. O início do francês "Três Corações" empolga, colocando o espectador de cara intrigado em seus dois personagens principais, Marc (Benoit Poelvoorde) e Sylvie (Charlotte Gainsbourg, de "Ninfomaníaca"), que se encontram por acaso na rua de uma cidade do interior da França, pouco antes da meia noite. Os dois caminham madrugada adentro sem nem mesmo dizer os seus nomes, mas terminam o "encontro" com a promessa de se verem novamente em Paris, dali a alguns dias, e o convite de fugir para o deserto. Uma conversa bastante simples, mas que tinha o seu charme e o seu mistério. 




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    • Frustando as expectativas de quem queria que o casal continuasse o seu flerte, Marc e Sylvie se desencontram por pouco e, sem ter meios de se comunicar, eles se tornam um para o outro apenas uma lembrança de um romance que não aconteceu. Entretanto, a vida reserva uma surpresa para eles. A irmã querida de Sylvie, Sophia (Chiara Mastroianni), conhece Marc e os dois se apaixonam. Mas como Marc e Sylvie, que mora nos EUA com o marido, podem esquecer o romance que eles quase tiveram?

      Apesar do começo promissor, o filme dirigido por Benoît Jacquot ("Adeus, Minha Rainha") se enrola na construção do flerte entre Marc e a irmã de sua futura esposa. Demora muito mais do que o aceitável para Marc perceber que se casou com a irmã da mulher que conheceu aquela noite, por exemplo. E sua obsessão por Sylvie parece meio forçada demais, pelo menos até que a personagem de Gainsbourg volte dos Estados Unidos para o casamento da irmã. 

      Logo, a relação de Sylvie e Marc ganha força, em meio aos olhares suspeitos da mãe das duas mulheres, interpretada por Catherine Deneuve, atriz um tanto apagada em seu papel. O filme consegue recuperar o charme e chega ao ápice em sua penúltima cena, um desfecho mais do que sensacional para a história do triângulo amoroso. Uma pena que quiseram colocar uma cena fofinha na sequência. 

      Entretanto, "Três Corações" é bastante irregular, tendo momentos um tanto desnecessários. A música de suspense, que dá a sensação de que algo muito esquisito vai acontecer, é usada repetidamente e sem propósito. Fica over. De repente, aparece uma narração para dizer coisas banais do tipo "ele está feliz", E depois a narração volta, a música também, tudo junto com uma imagem tosca de por do sol, Por quê?! São detalhes, sim, mas que mostram uma preguiça de levar o filme para um outro nível. E o que dizer então da subtrama com o prefeito da cidade? O longa-metragem cria um conflito interessante, que mexeria com jogos de poder e daria uma gama de possibilidades narrativas, para enfim, esquecê-lo entre um beijo e outro. Lamentável. Mas, enfim, são detalhes que enfraquecem a obra, mas não a afunda por total. 

      terça-feira, 31 de março de 2015

      Amor à Primeira Briga



      Por Gabriel Fabri

      Dirigido pelo estreante Thomas Cailley, "Amor à Primeira Briga" (Les Combattants) fez um verdadeiro strike na quinzena dos realizadores em Cannes, sendo o primeiro filme a conquistar os três prêmios do festival (Prix Label Europa Cinema, Art Cinema Award e Prix SACD). O longa-metragem, entretanto, parece supervalorizado, se sustentando apenas na cativante atuação da jovem Adèle Haenel ("Três Mundos"). 


      Haenel interpreta Madeleine, uma adolescente que treina arduamente técnicas de sobrevivência e que pretende se alistar no exército, em uma das divisões mais duras. Sua garra, determinação e certeza do que quer da vida é oposta a de Arnaud (Kevin Azaïs), que, desnorteado após a morte de seu pai, assume o negócio da família, uma madeireira, com o irmão mais velho. O destino dos dois jovens se cruza em uma competição na praia, onde Arnaud trapaceia para ganhar uma briga com Madeleine, mordendo-a. É meio que uma inversão de esteriótipos: o homem sensível, a mulher durona. 

      A atuação de Haenel segura a atenção ao longo do filme, imprimindo força para a sua personagem. Não à toa a atriz desbancou concorrentes pesados como Marion Cotillard, que concorria por "Dois Dias, Uma Noite", e Juliette Binoche, que concorria por "Acima das Nuvens": sua personagem é a alma do filme. Ponto para o trabalho da jovem.

      Além de Haenel, a inversão de papeis, tendo uma personagem feminina forte, em um ambiente majoritariamente masculino como o exército, torna "Amor à Primeira Briga" um filme, felizmente, pouco convencional. O roteiro reserva ainda surpresas na condução do romance, mas o filme não consegue alçar voo, sendo o resultado uma obra que deixa um pouco a desejar. Afinal, se a atuação de Haenel convence muito, o romance entre Madeleine e Arnaud soa um tanto forçado, perdendo um pouco de seu encanto. Falta um momento que toque o espectador. Além disso, a questão da morte do pai de Arnaud, colocada na primeira cena do filme, é uma ponta solta na trama, que deveria ser melhor explorada. Como a perda e, mais ainda, o caixão vazio (pois o homem foi cremado), afeta o protagonista? É uma questão que não poderia passar batida, e passou. 


      terça-feira, 10 de fevereiro de 2015

      Belle e Sebastian


      Por Gabriel Fabri

      Quem procura um filme cujos personagens principais são uma criança e um animal geralmente não pode esperar encontrar nada muito além de diversão despretensiosa e vários momentos de fofura. No longa-metragem francês "Belle e Sebastian", dirigido por Nicolas Vanier, que chega apenas com cópias legendadas no Brasil, o público terá essa expectativa não só atingida como superada com uma bela história, adaptada do romance clássico de Cécile Aubry.

      A trama se passa em 1943 na região dos Alpes na França, fronteira com a Suíça. O jovem Sebastian (Félix Bossuet) vive com o avô adotivo, à espera de que sua mãe retorne da América - região que acredita estar localizada do outro lado das montanhas. Durante os seus passeios pelas redondezas, conhece "a fera" que vem amedrontando os moradores do vilarejo. Descobre, entretanto, que o animal é uma cadela dócil, e ela logo se torna a sua melhor - e na verdade a única - amiga.

      Apesar do garoto e da cadela transmitirem muita simpatia, a grande força do filme está em sua contextualização histórica, que é muito marcante e não fica em segundo plano. Isso por quê a família de Sebastian ajuda os judeus a atravessarem os Alpes para fugir do nazismo, que se mostra presente pelas constantes figuras dos soldados da SS na cidadezinha. A inocência da criança em meio à guerra acaba sensibilizando mais que os pelos brancos e radiantes de Belle ou a relação do garoto com a cadela, embora não se possa desassociar do contexto histórico o companheirismo dos dois personagens (pode-se supor que o isolamento e a solidão de Sebastian são consequências diretas da guerra).

      "Belle e Sebastian" tem também uma fotografia marcante, repleta de planos abertos, que parecem estar aí para impressionar mesmo, mas que cumprem a função de realçar a dimensão de "aventura" do filme. Ao mesmo tempo, entretanto, nos lembra o quanto essa história traz apenas alguns pequenos exemplos do mal causado na II Guerra.            

      segunda-feira, 2 de fevereiro de 2015

      Dois Dias, Uma Noite


      Por Gabriel Fabri

      Sandra acaba de se curar de uma depressão e, ao retornar ao trabalho após a sua licença, descobre que a equipe na oficina mecânica em que trabalha se virou muito bem sem ela. Pior, seu chefe escolheu um jeito um tanto cruel para demiti-la: abriu uma votação para os outros 16 funcionários escolherem entre ela manter o emprego ou todos os outros receberem o bônus em dinheiro ao qual tinham direito. Dirigido pelos irmãos Jean-Pierre e  Luc Dardenne, de "O Garoto da Bicicleta", "Dois Dias, Uma Noite" (Deux Jours, Une Nuit) rendeu uma indicação ao Oscar para Marion Cotillard, que faz o papel principal.


      O filme acompanha a saga de Sandra para tentar reverter o resultado da votação, na qual 14 dos seus colegas preferiram ganhar o bônus ao invés de vê-la empregada. Ela tem um final de semana até uma nova votação, na manhã da segunda-feira, para convencer pelo menos a maioria deles a abrir mão do dinheiro.

      A direção dos irmãos Dardenne preza pela simplicidade, e é comum ver a câmara estática em muitas cenas, como na primeira vez que Sandra tenta convencer alguém de abrir mão do dinheiro, por telefone. Com isso, o filme dirige a atenção ao que é realmente impressionante: a atuação soberba de Cotillard, que mantém o público vidrado o tempo todo em sua personagem. Na pele de uma mulher que acabou de sair de uma depressão (se recuperou mesmo?) e que recebe como "recompensa" essa situação humilhante, a atriz brilha. 

      "Dois Dias, Uma Noite" discute os limites entre egoísmo e altruísmo; entre a difícil escolha de fazer um bem ao próximo, sabendo que você próprio será o prejudicado. O roteiro cria diversas situações diferentes a partir dessa ideia, e, com cada pessoa que a personagem de Cotillard conversa, uma pontinha de angústia é alimentada no espectador. O resultado é um filme simples, mas que vai dar o que pensar para o público. Na pele de cada um desses personagens, como você votaria?

      quinta-feira, 24 de julho de 2014

      Amar, Beber e Cantar


      Por Gabriel Fabri

      Em seu primeiro filme, o cineasta francês Alan Resnais entrou para a história do cinema com "Hiroshima, Meu Amor". Não tardou a deixar outra marca entre os longa-metragens mais importantes com "Ano Passado em Marienbad". Nos últimos anos de sua carreira, Resnais não deixou a inventividade de lado, produzindo obras com estilo próprio, como "Medos Privados em Lugares Públicos", eternamente em cartaz no agora Caixa Belas Artes. Falecido em 2014, o diretor deixou uma alegre obra para finalizar o seu rico legado: trata-se de "Amar, beber e cantar".


      O filme de Resnais tenta aproximar o cinema do teatro, por meio da história de diversos atores da terceira idade que ensaiam um espetáculo. Em um primeiro momento, um casal ensaia sem que o público saiba que se trata de uma encenação (dentro da encenação cinematográfica). Entretanto, eles logo começam a discutir as falas da peça, com o roteiro na mão. Trata-se de uma atriz e seu marido, que é médico e não está feliz com a notícia de que o amigo do casal, George, está com os dias contados. Para alegrar os últimos meses do homem, ele deve integrar o elenco do espetáculo teatral. Entretanto, disputará as atenções das outras duas atrizes, e a inveja de seus respectivos maridos.  

      Adaptação de uma peça de Alan Ayckbourn (o mesmo autor em que "Medos Privados" se baseou), o longa-metragem possui cenários simples, que lembram o de um  teatro amador, e concentra a sua força nos diálogos entre os seis personagens principais. Constrói-se, em torno da morte do amigo, um clima de comédia, que se sustenta pelas excelentes atuações e a trama de adultérios e paixões. 

      "Amar, beber e cantar" fala sobre a recuperação na velhice da vivacidade da juventude, em tentar tornar o fim da vida tão divertido quanto o começo. Uma bela mensagem para encerrar o legado do diretor falecido aos 92 anos.  

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      quarta-feira, 16 de abril de 2014

      O Palácio Francês



      Por Gabriel Fabri

      Fazer humor político é algo bastante difícil. No Brasil, os humoristas até que tentam, mas acabam caindo em preconceitos e lugares-comuns, na maioria dos casos, agindo até de maneira irresponsável. Em "O Palácio Francês", o diretor Bertrand Tavernier não cai nessas armadilhas e se sai muito bem ao usar o humor negro para criticar o estilo pomposo das autoridades francesas, o que resulta numa divertida e inteligente comédia.


      Na trama, o jovem Arthur (Raphaël Personnaz) é convidado a trabalhar como assessor do Ministro das Relações Exteriores da França, Alexandre Taillard (Thierry Lhermitte), para tratar da "linguagem" dos seus discursos. A divergência ideológica dos dois homens poderia ser o maior problema entre eles, se o político não tivesse uma maneira peculiar de trabalhar, levando o Palácio a uma verdadeira loucura diária. Arthur terá que se desdobrar para conseguir preparar as falas de um político delirante, que carece de ideias e conteúdo, mas que ambiciona chamar atenção com o mais rebuscado linguajar. 

      O humor inteligente se dá na contrução do personagem do político, uma caricatura de um homem vaidoso e egocêntrico. Ele é o retrato daquela pessoa que quer parecer inteligente, que se acha o tal poderoso, mas, na verdade, é completamente maluco e não sabe do que está falando. Numa ótima interpretação de Lhermitte, Taillard convence, o que torna suas atitudes e suas falas ainda mais hilárias.

      Os diálogos divertidíssimos, com referências que vão de Heráclito a "As Pontes de Madison", garantem o humor, o que torna dispensável um recurso como as folhas voando cada vez que o Ministro entra bravo em cena. Nada que comprometa o resultado final, que deve fomentar o debate sobre a seriedade da política e a veracidade de seus discursos.

      Movimentos de câmera acentuados, ótimo uso do espaço físico da cena e trilha sonora bastante presente dão um charme a mais para o filme, que garante um bom ritmo e boas risadas. Sem cair no humor de quinta categoria com o qual o brasileiro está tão acostumado.

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      domingo, 13 de abril de 2014

      Uma Relação Delicada





      Por Gabriel Fabri

      Muito antes de Lars Von Trier explorar o universo da sexualidade feminina em "Ninfomaníaca" (Volume I, Volume II), uma diretora francesa tornou esse assunto a temática central de sua obra. Trata-se de Catherine Breillat, que entre muitas polêmicas, realizou um longa em que também uma mulher buscava sentido para a sua vida através da sexualidade (“Romance X”). O feminino continua assumindo protagonismo em seu novo filme, “Uma Relação Delicada”, mas o sexo agora é deixado de lado para a cineasta contar a sua própria história.


      De inspiração autobiográfica, a trama conta a história de Maud (Isabelle Huppert), uma diretora de cinema  que sofre um AVC. O derrame a deixa com uma paralisia do lado esquerdo do corpo, que implica em dificuldades para andar. De olho no seu próximo filme, ela vê no vigarista Vilko (Kool Shen), que aparece em um noticiário da TV após cumprir pena de 12 anos, o ator ideal para o projeto. O homem logo se torna uma presença constante em sua vida.

      O filme constrói uma atmosfera de estranheza onde o espectador não consegue prever ao certo qual é o próximo passo da relação do casal. Isso pois não fica claro as motivações dos personagens. Maud está lúcida e assina cheques como se acreditasse nas palavras do homem – o público pode ficar deslocado em saber quais são suas verdadeiras intenções, sem falar nas do sempre suspeito "ex"-vigarista. Aqui, a sexualidade está presente ao avesso de célebres trabalhos de Breillat, como “Anatomia do Inferno” – sua presença se dá na ausência. E o erotismo nulo nessa relação só torna o clima do filme muito mais estranho. Não é o sexo, nem o amor, nem o trabalho, a base dessa relação. O que é?

      A trilha sonora, utilizada em poucos momentos, reforça um suspense que nem de longe revela uma tensão erótica entre os dois. Apenas indica que há um perigo naquelas ações, o que a protagonista com certeza sabe. E a relação se constrói, assim, com base no inexplicável. É exatamente esse o ponto chave desse filme, que não dá respostas para nada, apenas abre perguntas. Catherine explica ao mundo sua relação conturbada de maneira bastante clara: não há explicação. 

      Um excelente filme que não deve deixar o espectador confortável, pela maneira dura com que desenvolve sua trama, podendo certamente frustrar o seu público. “Uma Relação Delicada” é um olhar pessoal da diretora para o seu período de maior debilidade, o que não é também nada humilde: apesar de precisar de ajuda para tudo, ou de construir uma relação que não faz muito sentido, a personagem não perde sua força e a sua autonomia. 

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