quarta-feira, 22 de janeiro de 2014

Alabama Monroe



Por Gabriel Fabri

O pássaro não viu a cobertura de vidro na varanda da residência de Elise e Didier, localizada em um ambiente campestre da Bélgica. Ele colidiu e morreu na frente de Maybelle, a filha de apenas seis anos do casal, doente em estágio avançado de câncer. Como explicar o que aconteceu para a menina que chorava com o animal morto em seus braços? Para onde ele foi? Será que Maybelle irá também para o mesmo lugar também, se ela não se recuperar?

É de um filme belga com momentos dessa emoção e sutileza que se trata essa crítica. Alabama Monroe (The Broken Circle Breakdown), dirigido por Felix van Groeningen e indicado ao Oscar 2014 de Melhor Filme Estrangeiro, conta a história do casal vivido por Veerle Baetens e Johan Heldenbergh, a partir do momento em que lidam com a situação grave da filha. Com uma estrutura alinear, acompanhamos todo o desenvolvimento desse relacionamento entre uma tatuadora e um cantor country, esse fascinado pelos Estados Unidos e apaixonado pelas canções do país.

A música country - o bluegrass, especificamente - aqui adquire quase um protagonismo, sendo a alma do filme, do início ao fim. Ela ambienta a trama numa espécie de sonho, na primeira parte da obra, onde existe amor e alegria em perfeita comunhão com a rotina dos personagens. Essa ambientação é, ao mesmo tempo em que é leve e gostosa, dolorosa diante da tragédia iminente. A mescla entre as cenas da infância feliz de Maybelle e a sua difícil luta pela sobrevivência, junto com a música, cria uma sensação melancólica e apreensiva, embora inspiradora. Quando usada nos momentos mais tristes da projeção, a trilha sonora continua proporcionando essa mistura de conforto e desconforto, acentuada pela ausência de linearidade da trama, que só contribui para a força do filme.

Alabama Monroe é uma obra sobre a música, em segundo plano. Sobre como essa arte nos acompanha em todos os momentos da vida, do mais triste ao mais feliz. Um refúgio, uma motivação, um catalisador de emoções e uma companheira. Sua significância transcende barreiras físicas e ideológicas, como fica claro na devoção à música country norte-americana nesses músicos da Bélgica, e na permanência desse fascínio depois que o filme engata uma crítica política aos Estados Unidos, encadeada em duas das melhores cenas de Johan Heldenbergh, cuja atuação, assim como a de Veerle Baetens, é excelente.

A segunda parte do filme põe em xeque a ambientação de comunhão perfeita da primeira, trazendo atuações (ainda mais) intensas dos protagonistas e levantando as principais questões da obra: a crítica à religião e aos Estados Unidos (mais precisamente, à interferência de um na política de outro); e a indagação principal: quanto sofrimento o amor pode suportar? E a vida? A estrutura alinear novamente é bem utilizada e, apesar de ser confusa em alguns momentos, resulta em um clímax e desfechos perfeitos, na medida que provoca, mais uma vez, fortes sentimentos na plateia, sem apelação.

O título original do filme indica um colapso de um círculo que já estava quebrado. A referência é à primeira canção do longa, Will the Circle Be Unbroken*, e traduz bastante a essência trágica do filme. Da mesma maneira que a música tem uma melodia animada e inspiradora, Alabama Monroe também consegue esse efeito e, após duas horas de tantas emoções diversas embaladas no country, resta a certeza de um bom filme, triste como a vida, belo como tal.


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* Uma rápida pesquisa no Google e descobrimos que a música em questão era, antes de se tornar uma canção country lembrada até hoje, um hino cristão. Interessante de pensar que, no filme, ela é cantada por um ateu, o que permite uma interpretação menos negativa da religião a partir de Alabama Monroe, para além do discurso exaltado do clímax. Teria a música uma importância semelhante a da religião para os seus crédulos? Seria a música uma religião para Didier?

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