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segunda-feira, 5 de outubro de 2015

Respire



Por Gabriel Fabri

Charlie (Joséphine Japy) é uma adolescente tímida, que guarda para si o segredo de que é virgem. Ela rapidamente se torna amiga de Sarah (Lou de Laage), garota que acaba de chegar na França, após supostamente passar alguns anos com a mãe na Argélia. Exibido na semana da crítica do Festival de Cannes, Respire, de Mélanie Laurent, foca na relação dessas duas mulheres, que não tarda a se tornar intensa demais.  



O longa-metragem constrói com paciência o relacionamento entre Charlie e Sarah. O desenvolvimento lento dessa história é bem sucedido, uma vez que consegue mostrar o quão complicado uma amizade pode se tornar. As duas garotas se desentendem: o motivo, uma soma de pequenos gestos que machucam, mas que para uma não parece grande coisa, como chamar a outra de "colega", ao invés de "amiga" ou, quem sabe. algo mais. A amizade de Charlie e Sarah é permeada pelo erotismo - a inocência da primeira e a rebeldia e a sensualidade da outra gera uma boa química, que as atrizes conseguem captar brilhantemente. As duas conquistam, cada uma a sua maneira, o espectador, que se vê inserido numa relação que parece ser simples demais - mas não é. 

Respire provoca uma reflexão interessante, deixando várias pontas abertas. A obra aponta o quão frágeis são essas relações de amizade - facilmente, elas podem se desmoronar, sem que a intensidade dos sentimentos diminuam. E assim, o filme retoma uma questão que aparece logo no início da projeção: quando estamos apaixonados, somos mais livres ou menos? A linha que separa amizade e paixão aqui é tênue, e isso é o mais interessante em Respire, que deve deixar o espectador bastante transtornado com o seu final (sem dúvidas, o ponto alto do filme).  


terça-feira, 31 de março de 2015

Amor à Primeira Briga



Por Gabriel Fabri

Dirigido pelo estreante Thomas Cailley, "Amor à Primeira Briga" (Les Combattants) fez um verdadeiro strike na quinzena dos realizadores em Cannes, sendo o primeiro filme a conquistar os três prêmios do festival (Prix Label Europa Cinema, Art Cinema Award e Prix SACD). O longa-metragem, entretanto, parece supervalorizado, se sustentando apenas na cativante atuação da jovem Adèle Haenel ("Três Mundos"). 


Haenel interpreta Madeleine, uma adolescente que treina arduamente técnicas de sobrevivência e que pretende se alistar no exército, em uma das divisões mais duras. Sua garra, determinação e certeza do que quer da vida é oposta a de Arnaud (Kevin Azaïs), que, desnorteado após a morte de seu pai, assume o negócio da família, uma madeireira, com o irmão mais velho. O destino dos dois jovens se cruza em uma competição na praia, onde Arnaud trapaceia para ganhar uma briga com Madeleine, mordendo-a. É meio que uma inversão de esteriótipos: o homem sensível, a mulher durona. 

A atuação de Haenel segura a atenção ao longo do filme, imprimindo força para a sua personagem. Não à toa a atriz desbancou concorrentes pesados como Marion Cotillard, que concorria por "Dois Dias, Uma Noite", e Juliette Binoche, que concorria por "Acima das Nuvens": sua personagem é a alma do filme. Ponto para o trabalho da jovem.

Além de Haenel, a inversão de papeis, tendo uma personagem feminina forte, em um ambiente majoritariamente masculino como o exército, torna "Amor à Primeira Briga" um filme, felizmente, pouco convencional. O roteiro reserva ainda surpresas na condução do romance, mas o filme não consegue alçar voo, sendo o resultado uma obra que deixa um pouco a desejar. Afinal, se a atuação de Haenel convence muito, o romance entre Madeleine e Arnaud soa um tanto forçado, perdendo um pouco de seu encanto. Falta um momento que toque o espectador. Além disso, a questão da morte do pai de Arnaud, colocada na primeira cena do filme, é uma ponta solta na trama, que deveria ser melhor explorada. Como a perda e, mais ainda, o caixão vazio (pois o homem foi cremado), afeta o protagonista? É uma questão que não poderia passar batida, e passou. 


segunda-feira, 10 de novembro de 2014

À Procura



Por Gabriel Fabri

Uma trama simples e sem grandes reviravoltas pode se tornar um bom suspense nas mãos de um diretor de cinema competente. É o que acontece em À Procura, de Atom Egoyan (O Preço da Traição), filme exibido no Festival de Cannes em 2014 e que, na ocasião, teve uma péssima, e um tanto exagerada,  recepção.


O longa-metragem conta a história do desaparecimento de Cassandra, uma menina de nove anos de idade, filha de Matthew (Ryan Reynolds). De maneira alienar, o público acompanha os fatos que antecederam e sucederam o sequestro. Agora, oito anos após o crime, a polícia parece chegar perto de desmascarar os criminosos, durante a investigação de uma rede de pedofilia online.

Se montado linearmente, À Procura poderia ser mais um filme policial sem grandes atrativos, desses que as séries de televisão norte-americanas superam com facilidade. Entretanto, a montagem disfarça a simplicidade da trama, deixando o espectador curioso e ligado desde o começo. Embaralhando os tempos da ação, no início do filme, a obra desperta a atenção necessária para que, quando a trama é finalmente apresentada, a entrega do público ao filme já seja total. 

Apesar do começo promissor, a trama perde um pouco a sua força e tudo se resolve de maneira simplista demais. O resultado é bom, mas deixa a desejar, principalmente tendo em vista que  À Procura toca em um tema delicado como a pedofilia, que poderia ter sido melhor aproveitado. 

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terça-feira, 8 de abril de 2014

O Passado



Por Gabriel Fabri

Asghar Farhadi, diretor de "A Separação" (vencedor do Oscar de Melhor Filme Estrangeiro em 2012), tornou-se um dos nomes mais conhecidos do cinema iraniano. Ele faz parte daquela vertente que se destaca apenas em festivais internacionais, pois suas obras geralmente são proíbidas dentro do próprio país, fato que quase aconteceu com o filme anterior. Após o reconhecimento com o prêmio mais importante do cinema americano, Farhadi vai à França se dedicar a um projeto internacional. Trata-se de "O Passado".


Assim como em "A Separação", a questão matrimonial também está presente nesse novo filme. O iraniano Ahmad (Ali Mosaffa) retorna a Paris para, quatro meses após se separar da esposa, assinar finalmente os papeis de divórcio. Marie (Bérénice Bejo, de "O Artista") precisa que esse processo seja finalizado para se casar novamente, agora com o dono de uma lavanderia, Samir (Tahar Rahim). Entretanto, Marie pede ajuda a Ahmad para descobrir as causas do comportamento rebelde de sua filha mais velha, Lucie (Pauline Burlet). O que ele descobre é uma teia de segredos e meia-verdades envolvendo Samir e a tentativa de suicídio de sua atual esposa, que está no hospital em estado vegetativo.

O diretor constroi uma trama bastante simples, mas que ganha contornos intensos nas relações familiares problemáticas e nos confrontos desencadeados pelas presenças do futuro marido e do ex. Embora não aborde questões sociais a fundo ou críticas políticas, como no filme anterior, o longa se sustenta ao discutir problemas que poderiam acontecer em qualquer casamento, em qualquer parte do mundo.

Mesmo com um desenvolvimento um tanto cansativo, "O Passado" ganha muita força em seu clímax, o que pode fazer com que os espectadores saiam com a sensação de que a obra seja ainda melhor que "A Separação". Pode até ser. Mas inquieta como a questão do estrangeiro, vinda do fato do marido ser do Irã e não de um outro país da Europa, não é trabalhada a ponto de ser justificada. Talvez esteja nos detalhes, como aquele da cena final que poucos vão perceber. Fique atento.

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terça-feira, 5 de novembro de 2013

Amor Bandido


Por Gabriel Fabri

O começo de Amor Bandido (Mud) anuncia um filme de aventura. Dois garotos, Ellis e Neckbone, fogem de suas rotinas, mas com hora para voltar, ao atravessar um rio com destino a uma ilha deserta, próxima de suas casas. Lá, invadem um barco no alto de uma árvore, supostamente abandonado. Pegos em flagrante pelo morador, o simpático Mud, os dois logo se envolvem em uma missão para que o homem se reencontre com o amor de sua vida, antes que a polícia o alcance. Com ritmo bastante ágil e breves momentos de tensão, o longa discute o amor em suas variadas formas e ganha força em suas nuances.

Dirigido por Jeff Nichols, diretor do premiado em Cannes O Abrigo, o filme faz diversos paralelos entre seus personagens. O mais evidente são os relacionamentos de três casais, diretamente ligados a Ellis (Tye Sheridan): seus pais, o próprio garoto com sua primeira "namorada" e o romance entre Mud (Matthew McConaughey) e Juniper (Reese Witherspoon), no qual o roteiro é centrado. Existe diferença no amor entre dois pais de família, dois adolescentes e dois personagens "errantes"?

Sempre pela ótica de Ellis, Amor Bandido provoca questões em torno desse tema, enquanto acompanha a aventura dos garotos para ajudar Mud em sua busca. Tal jornada é envolvida por certa ingenuidade do protagonista, que é constantemente quebrada pelos outros personagens. Por que ele ajuda Mud, sabendo que ele é um criminoso, sabendo que a polícia está à sua procura? Por que ele se preocupa com o romance de um desconhecido quando o casamento de seus pais está em crise?

O roteiro de Nichols constrói personagens densos, na medida em que sutilmente desconfiamos de todos. Juniper, Mud e o velho do outro lado do rio são dúbios, ao mesmo tempo misteriosos e tão confortantes. E o próprio Ellis também aparenta não estar sendo sincero, pelo menos consigo mesmo. Seu relacionamento com a garota é fantasioso, uma fixação superficial, enquanto os verdadeiros laços que cria é com Mud. Será que os amores dos outros personagens também são superficiais? Se há dúvidas de que eles são o que aparentam ser, o filme questiona se o amor também não é o que aparenta.

E mais, até que ponto o amor justifica atos?

Em Amor Bandido, esse sentimento se manifesta de maneira diversas. Na vingança, na solidão, na esperança, na ingenuidade, na superficialidade, na amizade, na família, no casamento, numa relação conturbada ou numa que só existe na cabeça de um dos envolvidos. De um lado do rio, o amor é uma lembrança, personificada em um velho solitário; de outro, é a confusão e a esperança da juventude. E numa ilha não muito longe dali, resgatar um velho amor é uma forma de recomeçar (ou apenas manter-se no mesmo lugar, enquanto tudo muda?).  Essas diversas camadas presentes nos personagens e nas situações tornam a obra rica em nuances, combinação perfeita para um drama bastante envolvente.


segunda-feira, 14 de outubro de 2013

Bastardos


Por Gabriel Fabri

Exibido na Mostra Un Certain Regard do festival de Cannes, Bastardos (Les Salauds), novo filme de Claire Denis (35 doses de rum), tem um título que representa bastante a obra, embora a diretora passe longe de pregações morais. "Salaud", segundo o dicionário Michaelis, significa "canalha", em francês. O plural enigmático da palavra se encaixa com perfeição na crueza do filme de Denis.

A trama acompanha o marinheiro Marco Silvestri (Vincent Lindon), que retorna à Paris após o suicídio do cunhado. Encontra a sua família totalmente desestabilizada: sua irmã está à beira da falência e sua sobrinha está no hospital por ser constantemente abusada pelo pai. Marco tenta dar apoio a elas, ao mesmo tempo em que começa a sentir atração pela sua vizinha, Raphaelle (Chiara Mastroianni), esposa do sócio do falecido. Bastardos é inspirado numa série de filmes noir dos anos 1950, realizados por Akira Kurosawa em parceria com Toshirô Mifune.


Essa história é intrigante desde a sua cena inicial, com a sucessão das seguintes imagens: chuva forte caindo, um close-up em um velho melancólico, um corpo embalado no chão da rua para ser levado, uma bela jovem completamente nua andando pelas ruas de Paris. A trama vai se construindo aos poucos, uma pista por cena, mantendo sempre essa posição de forçar o espectador a montar um quebra-cabeça, mesmo que não haja nenhum grande mistério ou segredo no enredo. A estrutura é permeada por alguns flashbacks (a menina andando nua é mostrada mais duas vezes) e até por uma cena aparentemente desconexa envolvendo uma bicicleta, mas que pode ser, ou não, um intrigante flashfoward. O final, cruel e surpreendente, define bem o filme que é Bastardos.

A fotografia usa tons escuros, afinal, a última coisa de que se trata é de uma obra feliz. O uso de close-ups é constante e a naturalidade com a qual Denis dirige cenas de morte, como se fosse um simples diálogo, é marcante, e reforça a ideia de direção "crua" de Denis.


Quando veio ao congresso da Revista Cult em 2012, a cineasta afirmou que um filme "não é uma lição de moral, é uma preposição". O nome do filme pode até invocar um julgamento moral, mas é nele que está refletida a maior preposição do filme. Quem são os salaudes nessa história? Cada um pode encontrar a sua resposta a essa questão, mas o que Claire parece determinada a falar faz eco a um pensamento da alemã Hannah Arendt, quando, ao cobrir o julgamento de um nazista de alto escalão, percebeu que ele não era um monstro, mas sim, uma pessoa normal.




sexta-feira, 6 de setembro de 2013

Entrevista com Pablo Giorgelli, diretor premiado em Cannes



Na noite de quarta-feira (4), o argentino Pablo Giorgelli recebeu o Pop with Popcorn para uma entrevista exclusiva. Premiado com a Câmera de Ouro em Cannes por Las Acácias, que estreia com exclusividade no Cinesesc nessa sexta (6), Pablo acredita que sua obra é uma tentativa de entender a si mesmo. 

O filme conta a história de um caminhoneiro que transporta madeira do Paraguai para a Argentina. Nessa viagem, entretanto, ele deve levar uma mulher completamente desconhecida e o seu bebê para Buenos Aires. 

Leia abaixo os melhores momentos da conversa: 

Gabriel Fabri: O seu filme é um road movie onde dois desconhecidos viajam juntos, quase sem trocar palavras. Las Acácias é uma crítica ao perfil individualista e solitário do homem?

Pablo Giorgelli: Em algum ponto acredito que haja algo disso. Mas para mim esse é filme é sobre o vazio interior de um homem - que está sozinho, que tem dificuldade de se comunicar -, e é sobretudo sobre a paternidade. Esse é o eixo central: como este homem se reencontra consigo mesmo e com sua paternidade perdida. 

Depois, o filme tem um olhar crítico, talvez, ao mundo masculino, no sentido de que muitas vezes, nós homens não podemos conectar ou entender algumas questões mais sensíveis ou mais profundas. Muitas vezes o mundo masculino é um mundo mais prático. 

Acredito que Las Acácias é resultado de muitos anos de tentar entender a mim, de me conhecer. Essa crítica não é a outros, se não uma crítica a mim mesmo, em outra época. Fui aprendendo muito com as derrotas, perdi muito coisa no caminho por não me conectar comigo mesmo, por não saber como fazer isso. O filme é uma tentativa de explorar alguns temas que até o momento não tinha entendido, não tinha conseguido conectar. Como dizia, tem a ver com a paternidade. Com meu pai, com o pai que eu não era, e agora acabo de ser pai, é tudo a mesma coisa de algum modo. 



GF: Como o falecimento do seu pai se relaciona com o filme?

PG: Foi um pouco de uma motivação inconsciente que gerou esse filme. Ela vem daí: uma época de crise pessoal, afetiva, pela doença do meu pai, minha separação. Me passaram muitas coisas nos últimos dez anos. Todas essas crises ao mesmo tempo, resultam nesse filme, algo que eu não tinha conhecimento quando comecei a fazê-lo. Pouco a pouco fui descobrindo que ele tinha a ver com essa etapa de solidão e angústia da minha vida. 

GF: O filme aborda alguma outra crítica menos pessoal, mais social? Talvez relacionada com os países escolhidos (Paraguai e Argentina)?

PG: Num segundo plano, há um olhar sobre o aspecto social. Entra os temas da viagem, da imigração e do lugar da mulher na sociedade. A mãe e a filha aparentemente são as mais frágeis e terminam sendo as mais fortes. Elas são mais inteligentes e fazem o homem crescer durante o percurso. 

Quando apareceu a ideia da viagem, imediatamente pensei no Paraguai, um país que não conhecia muito até fazer o casting para o filme, mas pelo qual tinha um carinho enorme. Em Buenos Aires, a comunidade paraguaia é grande e nem sempre os imigrantes são bem vistos em cidades grandes, em geral. Há uma parte da população que os rejeitam, os consideram "de segunda", tem medo deles, e isso é algo que me entristece. Além disso, me comove a história de pessoas que deixam seu lugar com o sonho de buscar uma vida melhor.



GF: Há uma falta de comunicação entre os personagens que reflete algo muito presente na vida urbana...

PG: Isso é algo terrível, não? Acredito que é um dos grandes problemas da nossa sociedade moderna e das nossas famílias. A maior parte dos problemas de todas as pessoas tem a ver não com a falta de trabalho, não com o capitalismo. Tem a ver com a falta de comunicação. Muitas das coisas que nos passam, é porque não podemos nos comunicar, não sabemos como. Acreditamos que nos comunicamos, mas não o fazemos com profundidade, de maneira franca. Nos relacionamos, mas a comunicação com o outro, a conexão, acredito que acontece pouco. É necessário um esforço. 

Acredito que tenha a ver com a educação. Não nos ensinam a se comunicar com o outro. Os problemas decorrentes são enormes: pessoas frustadas, sozinhas, com medo. E volto ao tema da imigração: essa rejeição que há com os imigrantes definitivamente é medo. Mas é porque não os conhecem... Quando falamos das coisas horríveis que acontecem no mundo, a violência, a fome, a guerra, não há nenhuma justificação para isso. Tudo é o medo e a impossibilidade de se conectar com o outro. 

É preciso uma revolução de consciência, de cada um tomar consciência do que está fazendo no mundo, o que é ou não é importante. É preciso desarticular muita coisa, pois a sociedade nos põe diante de valores que não são reais, como o dinheiro e a beleza. Não há nada aí, mas todos perseguem essas coisas. Eu gostaria que de algum modo o filme estimule uma reflexão sobre tudo isso, e também à respeito da família e dos filhos.

GF: Esse é o seu primeiro filme. Como foi o processo de concepção?

PG: Foi um processo demorado, pois me tomou cinco anos, e foi sobretudo um longo processo de aperfeiçoamento. Nunca me apressei em etapa alguma. Primeiro foram dois anos escrevendo a história, só então encontrei a alma do filme. Demorei quase um ano para escolher os atores, onde tinha certeza que não poderia errar. A chave do filme é o elenco, não? A edição foi feita em conjunto com a minha mulher, em nossa casa, e durou oito meses. O mais curto foram as filmagens, só cinco semanas.

Quando aconteceu o milagre de terem convidado o filme para ser exibido em Cannes, tudo o que passou depois foi inesperado. Algo que nunca tinha imaginado. A boa repercussão internacional foi uma surpresa, eu não tinha claro, quando terminei a obra, se ela funcionava ou não, se eu gostava dela. Não sabia.

GF: E você gostou do seu filme?

PG: Em um primeiro momento, não sabia. Estava nervoso. Logo, teve um período em que eu gostava. Hoje, há coisas que não gosto muito, que não me convencem. Mas sinto que o filme tem uma alma que termina superando todas as suas imperfeições. Superadas pelo coração que tem o filme. O sucesso tem a ver com essa alma e com as reflexões que o filme propõe, à respeito de temas universais.



GF: Pensando no cine argentino como um todo, como você enxerga Las Acácias na filmografia?

PG: Não sei o que dizer... É muito difícil olhar para seu próprio filme num contexto. Nunca me fizeram essa pergunta e nunca pensei nisso. É um filme clássico e convencional, nada original, não estou inventando o cinema ou algo parecido. E dentro do cinema argentino, eu gosto das histórias. Mas o cinema argentino é muito diversificado hoje. São feitos muitos filmes, de diferentes estilos, o meu é só um a mais.

GF: Você tem algum projeto novo em mente?

PG: Tenho algo que estou escrevendo muito lentamente. Estou num momento de angustia, pois não o vejo ainda. Não o encontro. Tenho a ideia, a trabalho, mas não consigo vê-lo. É um momento de incerteza angustiante. Não gosto de nada, um dia acho que tenho algo, no outro não. Estou no começo de um processo, ao longo dos anos irei encontrando o filme. Acabo de ser pai de uma filha, então estou escrevendo pouco e aprendendo a ser pai.

GF: Quais temas você quer debater nos próximos longas?

PG: Meus filmes, pelo menos os próximos, e não sei se todos os meus próximos, serão sempre sobre o mesmo: sobre a família, sobre as relações entre pais e filhos, sobre as pessoas. Esses são os temas que me interessam hoje, quase exclusivamente. Me chegaram alguma propostas para fazer outros filmes, mas não senti que era o momento para fazer outra coisa que não seja mais pessoal.



GF: O que você conhece do cinema brasileiro?

PG: Não pude ver muitos filmes brasileiros, pelo mesmo motivo que acontece por aqui: não chegam tantos filmes argentinos ao Brasil, muito poucos, por isso estou muito contente que o meu trabalho finalmente está estreiando por aqui. Em Buenos Aires, não chegam muitos longas brasileiros, e isso se passa em toda América Latina. Só vi alguns em festivais, e os que eu vi me pareceram muito bons. 

Há uma geração de diretores novos, que estão fazendo trabalhos lindos, e acredito que esse seja um movimento em toda a América Latina. Sinto que há uma força de ter histórias para contar, algo a dizer, que não há mais em outros países. Há algumas filmografias que me parecem um pouco mais conservadoras e esgotadas. Na América Latina, sinto uma energia nova de renovação. Brasil, Argentina, Uruguai e o Chile estão fazendo filmes incríveis. Os poucas que vi do Brasil - Histórias que só existem quando são lembradas, O Céu de Suelly, O Som ao Redor, Trabalhar Cansa, entre outros - me encantaram. Quero ver mais. 


Las Acácias estreia hoje (6 de setembro), no Cinesesc, em São Paulo.

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sábado, 17 de agosto de 2013

Bling Ring - A Gangue de Hollywood


Por Gabriel Fabri

O último filme de Sofia Coppola, Um Lugar Qualquer, apresentava de maneira um tanto peculiar a crise de um ator de meia idade, no auge do sucesso, que mantinha um relacionamento superficial com sua filha pequena (e com todas as mulheres de sua vida também). A obra mais autoral de Coppola até então, diretora que já havia tratado de temas semelhantes no indicado ao Oscar Encontros e Desencontros, trazia constatações inquietantes e críticas sutis ao universo da fama e ostentação. Em Bling Ring - A Gangue de Hollywood, o tema se faz presente mais uma vez, agora acompanhando a história real de jovens da elite de Los Angeles que queriam ter a vida de seus ídolos - ou, pelo menos, a parte mais atraente dela: o reconhecimento e o glamour.

Baseada na reportagem "The Suspects Wore Louboutins", de Nancy Jo Sales (Vanity Fair), a trama conta a história de dois amigos, cujos nomes reais são Nick Prugo e Rachel Lee, que iniciam uma série de roubos nas mansões de pessoas famosas. Não tarda a outros jovens entrarem nas aventuras, que incluiu roubos a casas de personalidades como Lindsay Lohan, Paris Hilton, Orlando Bloom e Rachel Bilson. Nesse grupo de adolescentes ricos está Alexis Neiers, a "Nicki" no longa, interpretada de maneira excelente por Emma Watson (da série Harry Potter), de longe a melhor atriz do filme.

Apesar de ter um enredo muito pop, digno de um blockbuster hollywoodiano, Sofia Coppola mantém as  marcas autorais que se tornaram mais evidentes em Um Lugar Qualquer. A câmera fica parada, proporcionando planos estáticos, que são muito pouco alternados. Esse tipo de plano, geralmente identificado com um cinema mais reflexivo, pode parecer uma combinação estranha. Todavia, funciona como um belo contraponto ao frenesi dos personagens, da fama, do crime, das festas, da juventude, da trilha sonora hip hop e da era do Facebook, onde tudo é muito rápido, efêmero e superficial, sempre exposto em público. 

Os dois filmes estão intimamente conectados. Basta pensar nas diferenças entre as cenas de pole dance: no primeiro, vimos a decadência de quem a assiste (o público, inclusive, pois se tratava de uma câmera subjetiva) e em Bling Ring, a ascensão (ou decadência?) de quem o dança. Opostos, mas intimamente ligados. A casa do ator de Um Lugar Qualquer poderia ser facilmente assaltada pela gangue, se ele já não fosse um ator de meia idade.

Se em Um Lugar Qualquer o que estava em jogo era se a fama vale mesmo a pena, considerando o que se abdica em nome dela, aqui a crítica é aos sintomas do culto à celebridade. O questionamento é claro: quais são os valores em voga na sociedade ocidental? A história desses jovens mostra que são a fama, a beleza, o dinheiro e o glamour. E o filme constrói ótimas sacadas para discutir isso. Por exemplo, a cena em que a mãe de Alexis segura um cartaz de Angelina Jolie para inspirar as filhas. 

Bling Ring também aborda questões muito atuais, como o uso do Facebook, onde todos agem como celebridades, e a questão do paparazzi, sutilmente colocada. Um recurso, aliás, interessante, é a pesquisa de vídeos e fotos de famosos que saíram na mídia projetada na tela. Uma forma de mostrar personalidades como Lindsay Lohan, sem que ela tenha que fazer uma aparição especial como as de Paris Hilton e Kristen Dunst. Essa última numa autorreferência a outros trabalhos de Coppola, em especial As Virgens Suicidas, que também aborda questões semelhantes e atuais, relacionadas aos problemas da adolescência: o bullying, a exclusão social e a ausência de pais. Que pai dos integrantes da Bling Ring desconfiava dos roubos, mesmo?

Sofia Coppola teve um feeling incrível de como essa história real tem um viés contestador de muitas nuances da sociedade. Toda essa crítica está estampada em Bling Ring - A Gangue de Hollywood, um filme que mostra o quanto a juventude de hoje é problemática, mas, ao mesmo tempo, fascinante. Coppola sabe aproveitar a chance de fazer um filme que seduz e repudia ao mesmo tempo. Ela mostra o quanto esse estilo de vida é sedutor e divertido, e ao mesmo tempo vai além dessa superficialidade. A cena final, fidedigna à personagem na vida real, é a síntese perfeita para um filme em sintonia com o mundo contemporâneo.

quarta-feira, 14 de agosto de 2013

Ferrugem e Osso


Por Gabriel Fabri

O diretor Jacques Audiard se consolidou no cinema francês com o sucesso estrondoso de seu último longa, O Profeta, que levou o grande prêmio do juri em Cannes e uma indicação ao Oscar. Ao focar em um muçulmano encarcerado, o filme mostrou, entre outros temas políticos e psicológicos, a derrocada moral desse personagem, que matou um homem para ascender socialmente na cadeia. Em Ferrugem e Osso, Audiard traz agora dois personagens tentando seguir em frente com as suas vidas, e, sem abandonar a preferência por temas como o crime e protagonistas desestabilizados de O Profeta, apresenta um belo drama de superação.

Na trama, Ali (Matthias Schoenaerts) é um homem desempregado que resolve se mudar, com o seu filho de 5 anos, para a casa da irmã. Durante um "bico" como segurança de uma boate, conhece a jovem Stéphanie (Marion Cotillard), após ela sair machucada de uma briga. Domadora de baleias num parque aquático, a moça acaba perdendo as duas pernas num acidente, dias depois, durante uma apresentação. Solitária e sem rumo, ela entra em contato com Alain e os dois iniciam uma relação de amizade.

A montagem do filme chama a atenção, pois a câmera parece buscar sempre um ângulo diferente sobre as cenas, ora se distanciando, ora se aproximando de um personagem, intercalando planos num ritmo mais próximo do cinema americano. Tal ritmo opõe-se à dinâmica de contemplação que a trama exige, e desse casamento de opostos sai um longa que nunca deixa de ser interessante.

Esse é apenas um dos aspectos positivos da obra, que possui um enredo simples, mas em alguns momentos surpreendente, com duras reviravoltas que lembram vagamente a frieza de Michael Haneke (Amor). Ao tratar da jornada de duas pessoas com problemas bastante diferentes, o longa discute temas como a relação de pobreza e crime ou o olhar preconceituoso contido na piedade com a qual a sociedade trata pessoas com deficiências. Mas o tema principal aqui, o que parece evidente em algumas sutilezas do filme, é a superação das adversidades - não só física, mas também social e emocional. É um longa de superação, explícito logo no começo, na primeira cena de banho de mar, até o belo final. Dessas passagens, é de uma ternura a cena em que Stéphanie encara a baleia que tirou suas pernas, mas a permitiu que tomasse um novo rumo em sua vida; ou a cena em que o uso da música Firework, de Katy Perry, entra em perfeita sintonia com essa nuance do filme.   

O envolvimento com os personagens é fruto de eles serem muito bem construídos e aproveitados: todos, no núcleo principal, têm uma importância fundamental para a trama. Esse é talvez o ponto mais alto do filme, que deve ser creditado também às atuações. Tanto Cotillard quanto Schoenaerts estão impecáveis em seus papéis, num trabalho impressionante. 

Ferrugem e Osso é um filme delicado, com duros e impressionantes pontos de tensão. Um enredo excelente, combinado com atuações e direção de alto nível, resultam numa obra desconcertante e, ao mesmo tempo, encantadora.

quarta-feira, 12 de junho de 2013

O Grande Gatsby



Quando saiu o trailer oficial de O Grande Gatsby (The Great Gatsby), readaptação do romance de F. Scott Fitzgerald, duas coisas chamaram muito a atenção. A primeira era o visual colorido e extravagantemente luxuoso das cenas selecionadas. A outra era a trilha sonora, pois o vídeo incluía trechos de três músicas até então inéditas de grandes cantoras da atualidade - Lana Del Rey, Beyoncé e Florence Welch (da banda inglesa Florence + The Machine). Não deu outra: sob o comando de Baz Luhrmann (Australia, Moulin Rouge), esses dois aspectos se sobressaem e dão à nova versão de Gatsby grandiloquência e personalidade.

Nick Carraway (Tobey Maguire) acaba de se mudar para um casebre no subúrbio de Nova York, ao lado de uma luxuosa mansão. Nela, vive Jay Gatsby (Leonardo DiCaprio), um misterioso homem que dá grandes festas em sua residência - o motivo, ninguém sabe, pois os frequentadores nunca são convidados e Gatsby nunca está entre eles, o que faz alguns duvidarem até de sua existência. Carraway se sente observado pelo vizinho, que não tarda a convidá-lo, exceção cuja explicação de início não é revelada.

Uma crítica recorrente ao trabalho do diretor é o seu exagero, seja no kitsch em Moulin Rouge ou na longa duração de Austrália. Em sua nova obra, a paleta de cores é extremamente colorida e os cenários e figurinos igualmente grandiloquentes. Entrar numa festa de Jay Gatsby é como embarcar no mais insano - e luxuoso, porque há todo um glamour em caracterizar a década de 20 - videoclipe pop da atualidade.

A sensação de entrar num mundo artificial e fantasioso, desde o início do filme, poderia servir para tornar o filme apenas um exemplar de entretenimento superficial, de culto ao capitalismo e à riqueza. De fato, torna desnecessária a contextualização inicial no começo do século XX, porque, por mais que os ricos tenham uma vida luxuosa, tudo o que Luhrmann - pelo menos na primeira metade do filme - nos mostra quer parecer mais um sonho do que algo possível de ser real. Mas esse clima de fantasia e o visual exagerado é o grande diferencial do filme, principalmente considerando a versão de 1974, com dois grandes astros de Hollywood, Robert Redford e Mia Farrow.

Os exageros de Luhrmann externam o estado de espírito de Gatsby. São a verdadeira caracterização do personagem (que, aliás, é muito bem interpretado por DiCaprio). Evidenciam a sua solidão, suprida - ou não - com maluquices como dar festas em que não conhece os convidados e que nem frequenta. O luxo é a máscara de Gatsby. Por trás desse disfarce do grande rico, do homem no topo do mundo, da visão de cima do pedestal, o que há? O que há por trás da utopia do capitalismo, do sonho americano? Jay-Z, produtor da excelente trilha sonora e também do longa, poderia até ter incluido American Life, de Madonna, entre as canções - "nada é o que aparece", diz a música, à respeito do nosso estilo de vida. Cai como luva em O Grande Gatsby.

A trilha sonora é outro ponto forte. A superprodução mescla, em algumas faixas, a sonoridade de ritmos da época com os dos dias de hoje, como na ótima Bang Bang, de Will.I.Am. Young and Beautiful, de Lana Del Rey, é a mais marcante do filme (e também é a que mais se destaca), pois sintetiza em seu refrão e em sua melodia melancolica a problemática central do enredo. Na letra, a cantora questiona se o homem ainda a amará quando ela não for mais jovem e bonita. A questão da aparência, tão presente na sociedade hoje, aqui se dá por meio do luxo e da ostentação.

O novo O Grande Gatsby é muito diferente da versão de 1974 na questão da trilha sonora, direção de arte e direção (Luhrmann tem um estilo que preza muito a agilidade, com cortes rápidos). Não há muitas diferenças no enredo, então as mudanças são praticamente técnicas - e, sim, muito positivas. Gatsby ganhou não só mais glamour e atualidade, mas uma melhor caracterização no cinema. Ponto para o diretor que transformou um clássico da literatura numa obra pop moderna, sem perder de vista as questões que podem ser suscitadas. 

segunda-feira, 24 de dezembro de 2012

Holy Motors


O Surrealismo começou na França e se tornou uma vanguarda importante do cinema por meio, principalmente, do cineasta Luis Buñel (O Cão Andaluz), inspirado pelo Manifesto Surrealista de André Breton. A ideia era a arte menos como representação e mais como algo indefinido, abstrato, psicológico, liberto da lógica e da razão. Na atualidade, David Lynch (Cidade dos Sonhos) é conhecido por usar recursos surrealistas em suas últimas obras, donde se destaca o enigmático Império dos Sonhos. Holy Motors, do francês Leos Carax, não parece ser um filme dessa corrente de início, mas essa não tarda a se mostrar a característica mais marcante da obra, que integrou a competição de Cannes em 2012.

Na trama, Oscar (Denis Lavant) vai trabalhar numa limusine branca, onde descobre que tem nove encontros agendados. Ele aparenta ser um executivo comum até quando começa, dentro do veículo, a se transformar em outra pessoa. Para cada um de seus noves compromissos, Oscar reserva surpresas para os espectadores. No elenco, Eva Mendes e Kylie Minogue fazem pontas.

Por que ele faz o que faz ou quem o pagaria para fazer esses "trabalhos" são apenas algumas das milhares de perguntas que poderão passar pela cabeça de quem assiste ao filme, que, propositadamente, nem cogita entregar as respostas. Pelo contrário, a medida que o espectador vá formulando suas ideias sobre o sentido do que vê, novas informações são dadas e, novamente, mais perguntas serão formuladas. Esse recurso pode deixar perdido o espectador mais preguiçoso, entretanto, é o ponto alto do filme, pois o deixa muito intrigado e permite que ele participe muito na construção do significado da obra.

Sobre o que se trata o filme? Tudo, menos sobre um maluco dentro de uma limusine. É sobre cinema, com um ator desempenhando vários papéis, numa espécie de metalinguagem nonsense? É sobre a vida, nossas escolhas e suas consequências, o desejo de voltar e fazer tudo diferente? É sobre nós mesmos e nossas várias faces que compõe nosso caráter, o castigo de sermos quem somos em nossas próprias imperfeições? É sobre a sociedade capitalista, em que homens enlouquecem, banqueiros precisam morrer, o sexo é virtual, a ambição é o motor da vida, propagandas são postas até em lápides, é possível ter intimidade com alguém que não se sabe nem o nome, tudo algum dia fica obsoleto? É sobre religião ou a falta de?

Em suma, Holy Motors é um daqueles filmes que ou você ama, ou, odeia. É necessário atenção e criatividade para ligar os elementos e compor uma versão própria. O espectador decidirá sobre o que é o longa (se conseguir). A única coisa indiscutível: é um filme ousado e intrigante como poucos, onde o importante não é entendê-lo, o que é difícil em grande parte dos filmes surrealistas, e sim tentar. Lynch aplaudiria de pé.

quarta-feira, 17 de outubro de 2012

Moonrise Kingdom

          
Em Os Excêntricos Tenenbaums, o diretor Wes Anderson se consolidou no cenário internacional apresentando um retrato original de uma família desharmonioza, pelo qual foi indicado ao Oscar de melhor roteiro junto com Owen Wilson. Mais de dez anos separam essa obra de Moonrise Kingdom, indicado à Palma de Ouro no Festival de Cannes em 2012. Na nova empreitada, Anderson sai do tragicômico e procura uma veia mais leve, mas não menos colorida ou peculiar.

Na trama, Sam (Jared Gilman) é um garoto isolado dos colegas num acampamento de escoteiros, onde não é querido por ninguém. A única pessoa que parece se importar com ele é Suzy (Kara Hayward), uma menina com quem troca correspondências e também não tem um único amigo. Ambos resolverão fugir de suas rotinas e realizar uma trilha juntos, até que o capitão Sharp (Bruce Willis) os encontre.

O amor inocente dos protagonistas proporciona diversos momentos de "fofura" ao longo da projeção, que farão vários corações derreterem. A ternura e a veia cômica, essa muitas vezes sutil e outras exageradamente estranha, conquistam e envolvem o público de maneira certeira, embora o filme demore um pouquinho para isso. Trata-se de um filme de Anderson, afinal, e não de uma comédia romântica típica - é evidente a estética do diretor nos planos horizontais, nos cenários (uma das gags visuais de Tenenbaums, dos personagens usarem a mesma roupa, é um exemplo), na construção de personagens esquisitos e na condução da trama.

Moonrise Kingdom pode se associar com ABC do Amor ao resultar em mais um "romance" fofo com crianças. Mas vai além, com a criatividade, o estilo e a irreverência de Anderson. Vale ressaltar a indicação em Cannes, um sinal de que Moonrise pode ter chances de disputar boas estatuetas na época de premiações.
           

sexta-feira, 10 de agosto de 2012

Na Estrada

      
           O primeiro passo para Na Estrada (On The Road) se concretizar num longa metragem foi dado há 55 anos. Em 1957, Jack Kerouac, escritor beat que marcou uma geração e se tornou um dos grandes nomes da literatura norte-americana (cujo maior mérito é atribuído ao livro homônimo no qual o novo longa de Walter Salles se baseia), escreveu uma carta para Marlon Brando pedindo que o ator comprasse os direitos de seu recém-lançado romance. Kerouac estava entediado e queria interpretar o papel de seu alter ego Sal Paradise ao lado de Brando, que interpretaria o lendário Dean Moriarty. No tempo que separa o envio da carta e a estreia de Na Estrada no festival de Cannes em 2012, Francis Ford Coppola comprou os direitos e nomes como Gus Van Sant e Jean-Luc Godard foram desafiados para a adaptação. Sem sucesso, foi preciso um brasileiro para encontrar a direção certa para o filme ganhar vida nas telas.
          A trama conta a história de Sal Paradise (Sam Riley, Control), a partir do momento em que encontra Dean Moriarty (Garret Hedlund, de Tron - O Legado) e sua vida toma um rumo hedonista. Dean é uma figura peculiar, inconsequente, e os dois não tardam a se tornar melhores amigos, seduzidos por vida sem grandes preocupações além de consigo mesmo, onde vigora o princípio Carpe Diem de aproveitar os momentos ao máximo. Focado nas relações entre os dois, o filme mostra a jornada na estrada de Sal à medida que ele vai desmembrando os Estados Unidos como um jovem que não tem um rumo certo a seguir. Bebidas, drogas, bebop, sexo, roubos e prostituição marcam a rotina desses jovens que se tornaram ícones da geração beat. Entre as personagens secundárias, as mulheres de Dean, Marylou (Kristen Stewart, de Corações Perdidos e Branca de Neve e o Caçador) e Camille (Kristen Dunst, Melancolia), o jovem Carlo Marx (Tom Sturridge) e Old Bull Lee (Viggo Mortensen), alter ego do escritor William S. Burroughs, famoso por The Naked Lunch, obra adaptada para o cinema por David Cronenberg.
           O diretor Walter Salles, que já dirigiu consagrados road movies como Central do Brasil e Diários de Motocicleta, já merece aplausos por ter conseguido levar o livro às telas. A estratégia foi simples: organizar as narrativas importantes da obra (incluindo inclusive detalhes do manuscrito original, aquele escrito em três semanas e composto de um único e extenso parágrafo) de maneira que ficassem com menos voltas que no livro, como se a estrada fosse uma só. O resto, nem tanto: Salles percorreu todo o trajeto de Kerouac pelos Estados Unidos e, durante as filmagens, dirigiu seus atores para que trabalhassem de maneira espontânea. O papel feminino no filme também foi ampliado, dando mais importância a essas personagens.
          Na Estrada é uma ótima adaptação, ainda mais com esses pequenos detalhes acertados por Salles. Como visto nos últimos trabalhos do diretor, é evidente o seu talento por trás das câmeras, ainda mais quando elas estão na estrada. Nenhum detalhe importante do livro é deixado de lado, sendo o filme uma boa síntese, com uma fotografia incrível. Entretanto, é uma obra que peca pelo seguinte detalhe: Jack Kerouac escreve com ritmo, inspirado no bebop, uma vertente do jazz, e o filme de Salles parece que perdeu a essência - é uma jornada que chega a ficar chata de se acompanhar, em alguns momentos. Mas, de qualquer forma, não é algo muito diferente do que acontecia no livro, que apesar de muito mais apaixonado, não é uma obra fácil também.
          A cena em que Marylou e Dean dançam, muito animados, no meio do filme, é excelente para sintetizar o livro, e o filme também, cujo resultado é positivo. Ela, assim como outros momentos do longa, se encaixa perfeitamente com o espírito das páginas, onde Kerouac escreveu definições perfeitas para sua própria obra, como essa passagem, que salta aos olhos de qualquer um que ler as páginas: "pessoas mesmo são os loucos, os que estão loucos para viver, loucos para falar, loucos para serem salvos, que querem tudo ao mesmo tempo agora, aqueles que nunca bocejam e jamais falam chavões, mas queimam, queimam, queimam - como fabulosos fogos de artifício explodindo como constelações em cujo centro fervilhante - pop! - pode-se ver um brilho azul e intenso até que todos 'aaaaaaah!'." O efeito desse trecho no filme não consegue ser tão explosivo, infelizmente - faltou aquilo que Kerouac chama de "it", um conceito tão forte que talvez seja a única coisa que Salles não conseguiu transpor. De qualquer maneira, não anula a grande quantidade de pontos positivos de Na Estrada, filme com força para concorrer aos grandes prêmios no final do ano.
           

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

Precisamos Falar Sobre o Kevin

     
       Algo fez a vida de Eva (Tilda Swinton) virar de cabeça para baixo. Nos minutos iniciais de Precisamos Falar Sobre o Kevin (We Need to Talk about Kevin), vemos sua casa e seu carro vítimas de vandalismo (tinta vermelha pra todos os lados), coisa com que a moça parece não se surpreender. Encara o fato desagradável como rotina, assim como criar do seu filho irritante Kevin é uma rotina. O presente e o passado da protagonista se entrelaçam nessa obra que concorreu ao festival de Cannes de 2011, adaptada do premiado livro de Lionel Shriver.
        Logo no início da projeção, uma cena meio deslocada, meio sem sentido, aparentemente, resume o que virá pela frente. Numa "festa do tomate", vemos Eva banhada em molho vermelho. Tal cor se destaca durante todo o filme, nos mínimos detalhes ou, em algumas vezes como essa, descaradamente. O escarlate aponta para sangue, para dor, para tragédia. E o filme da escocesa Lynne Ramsay é justamente sobre tudo isso: antes ou depois do crime cometido por Kevin (Ezra Miller, na adolescência), sua vida já seguia nessa direção. Acompanhamos Eva tentando ser uma boa mãe e segurar as rédeas de sua família, tentando achar o sentindo de tudo ter, ao que parece, desabado em sua vida.
         A montagem alinear colabora para que o filme funcione. Conhecer o presente enquanto o passado está na tela nos instiga a entender melhor os personagens e suas motivações. A diretora optou por revelar o crime só no clímax, como se ele fosse o final da história, e não o precursor dela. Embora não sabemos exatamente o que aconteceu, sabemos que algo de horrível ocorreu e que Kevin é o responsável. É o bastante para segurar a trama e permitir que o expectador reflita: o que poderia ter sido mudado na educação de Kevin? A tragédia poderia ter sido evitada?
          Kevin, quando criança, assusta, incomoda e faz ri com seu desprezo em relação à mãe. Às vezes, muda de comportamento, mas desde criança testa a personagem de Swinton. A atriz, vencedora do Oscar por Conduta de Risco, conduz o filme nas suas costas, estando perfeita no papel da mãe que não sabe o que fazer diante do comportamento de seu filho e da ignorância de seu marido com a criança. Ela segue em diante com sua rotina, bem longe do paraíso que se associa com seu nome.
          A obra levanta questões interessantes sob seus personagens, seus dilemas e seus rotineiros problemas. Mais que um estudo de uma família desarmonioza, um ótimo e envolvente filme, cuja atuação de Tilda Swinton e a montagem são seus maiores destaques. Muito vermelho para muito drama.

        

quarta-feira, 17 de agosto de 2011

A Árvore da Vida

       

           O grande vencedor do festival de Cannes de 2011, 'A Árvore da Vida' (The Tree Of Life), é mais um filme sobre vida e morte. Usando como ponto de partida o falecimento de um menino de uma família típica americana, o filme tenta transcender as imagens registrando a vida da maneira mais delicada possível, resultando numa bela experiência sensorial, mas que por muitos pode não ser compreendida.
            Logo no início, a perda de um filho é um choque para o casal principal, interpretados por Brad Pitt e Jessica Chastain, que tentam racionalizar sobre o que aconteceu, o que é mostrado de maneira muito cautelosa. Começam as indagações sobre Deus e sobre a vida espiritual e material, que se mantêm constante por toda a projeção. É nesse clima de reflexão sobre a vida que se constrói a nova obra do diretor Terrence Malick, indicado ao Oscar de melhor direção em 1999 por 'Além da Linha Vermelha'.
            Não demora muito para o filme se revelar alinear. O espectador é transportado para o presente, onde um dos filhos é interpretado por Sean Penn, numa pequena ponta, em que reflete sobre a morte de seu irmão. Em seguida, o diretor que tenta capturar a vida em todos os seus aspectos resolve explorá-la de maneira pouco ortodoxa, que pode gerar muito incômodo no telespectador: a linha de questões a Deus se segue com MUITAS imagens do mundo se formando, que incluem até dinossauros. Essas imagens são belas, mas passam de maneira demasiadamente lenta. O motivo delas estarem lá é mostrar o mundo desde a criação, entretanto o motivo delas demorarem tanto não está claro a princípio: é para inovar? Para permitir tempo do espectador sentir o drama dos personagens ou refletir sobre a sua própria vida? Para sustentar algum argumento que venha a seguir?
            Passado os milhões de anos da criação do mundo, chega-se ao nascimento do primeiro filho do personagem de Brad Pitt. É ai que a história começa de verdade, mostrando alguns conflitos familiares e matrimoniais, tanto quanto vários momentos de pura alegria. São nesses conflitos e momentos de alegria que o filme se sustenta até o final, engajado com as indagações religiosas e reflexões dos personagens, principalmente do severo pai.
            Uma cena que chama a atenção e é ótima para argumentar sobre a obra é uma em que uma das crianças brinca feliz no meio de bolinhas de sabão no quintal da casa. O menino pula e brinca, aproveitando as coisas simples da vida, quando a mãe, contente ao vê-lo brincar, o chama para entrar em casa. Enquanto os dois entram sorridentes, um homem qualquer tem uma convulsão bem atrás deles, provavelmente morrendo, mas isso de forma alguma impede o momento de felicidade mútua entre mãe e filho. Esse é um momento surreal do filme que pode dizer muitas coisas, e isso vai variar de quem estiver assistindo. 
            Realmente, pouca coisa acontece em 'A Árvore da Vida'. Os momentos são captados plenamente, fazendo com que quem assiste sinta-os e se veja no lugar deles, tanto que o nome dos personagens mal são mencionados. É definitivamente um filme de arte, mas não um intelectual, a medida que tudo o que é mostrado apela pro sensorial e conhecido de todo mundo. É minimalista ao incluir reflexões e lembranças em cada detalhe: a verdadeira arte aqui é captar a beleza da vida e as contradições da vida, relacionando-as com os aspectos familiares e religiosos. É mostrar a simplicidade da vida com uma direção grandiosa e um roteiro simples. E as imagens da construção do mundo se relacionam tanto com alguns lugares do filme quanto com a ideia de simplicidade implícita na obra, estando sutilmente ligadas com o discurso inicial de viver pela graça ou natureza.
           Em suma, 'A Árvore da Vida' é um filme simples e complicado ao mesmo tempo. É preciso ter paciência e mergulhar fundo na energia religiosa, simplista e reflexiva do filme e estar disposto a ver o que está lá, tão sutilmente, para ser interpretado. É exatamente o oposto de 'Melancolia', de Lars Von Trier, mas se assemelha na temática de discutir a vida, embora sob visões diferentes, uma científica e pessimista e a outra religiosa e esperançosa. É um filme para refletir acima de tudo.      

sexta-feira, 5 de agosto de 2011

Melancolia



         Lars Von Trier recentemente se firmou como o diretor mais polêmico do cinema atual. Na apresentação do filme Melancolia (Melancholia) no Festival de Cannes desse ano, brincou (ou não) sobre fazer um filme pornô com a atriz Kirsten Dunst e ainda fez piada sobre simpatizar com Hitler e ser nazista, mesmo sendo judeu. Na última vez que apresentou um filme no festival causou ao se declarar "o melhor diretor de cinema do mundo" e chocou a platéia ao exibir cenas violentas e pertubadoras.
            Seu último trabalho foi realizado numa tentativa de se recuperar de uma depressão intensa que sofreu e esse estado de espírito, trabalhado brilhantemente com o sentimento de culpa em 'Anticristo', é o tema central de 'Melancolia'. Se todo o pessimismo no primeiro era em torno do luto, neste o pessimismo se deve a antecipação da morte com a passagem de um planeta que está cada vez mais perto da Terra.
            Dividido em duas partes, a primeira começa com Justine e seu marido chegando recém-casados à mansão da irmã da moça, Claire (Charlotte Gainsbourg, que trabalhou com Trier em 'Anticristo'), onde será realizada a festa de casamento dos dois, promovida pelo personagem de Kiefer Sutherland (do seriado '24 Horas'). Toda ação de aproximadamente metade do filme se passa durante a comemoração, acompanhando a personagem de Kristen Dunst na pele da protagonista, aparentemente feliz no começo, mas que logo começa a se mostrar melancólica e incomodada com tudo e com todos, triste com a vida.
            Já na parte final, o filme muda de foco, desviando as atenções para Claire, nos dias que antecedem a passagem do planeta perto da órbita da Terra. Aqui as principais questões da obra são levantadas, já que Claire vê a vida do jeito oposto ao da irmã, em que a primeira metade foi focada. Acompanhamos então a aproximação do planeta em meio a diversos meios de ver a vida, que se sabe desde o começo que a dos personagens estaria próxima de acabar.
           Uma das grandes qualidades do diretor é a direção de atores. Em 'Dogville', a capacidade de Trier em dirigí-los é o grande forte do filme, que não possui efeitos e possui apenas um pacato cenário, como se fosse um teatro filmado. Aqui ele arranca o melhor de Gainsbourg novamente, num papel completamente diferente do anterior, e ainda guia Dunst na melhor atuação de sua carreira, que lhe rendeu o prêmio de melhor atriz em Cannes. Vários codjuvantes, como a mãe das irmãs, também merecem destaque.  
           Assim, 'Melancolia' é um filme para refletir. Muito do pessimismo de Lars Von Trier está presente e o próprio declarou que a personagem de Kristen foi escrita pensando em si próprio. Embora o pessimismo chame mais atenção, por meio de frases como "a vida na Terra é má. Ninguém sentirá falta dela" e "estamos sozinhos", o outro lado também tem seu espaço. Desde a abertura que mostra maestriamente cenas que se encaixarão com o final, ambos embalados na trilha de Wagner da ópera 'Tristão e Isolda', vemos nas palavras, nos gestos e nos cenários muitos simbolismos que aguçam a curiosidade de quem assiste o filme e promoverão discussões intrigantes após a sessão. A imagem de Kristen vestida de noiva boiando no rio logo na abertura ou mesmo feijões e buracos de um campo de golf parecem significar algo maior nessa obra que, não se contentando em criar discussões sobre a vida, a morte e até a ciência, busca colocar ideias subliminares para acrescentar ainda mais riqueza ao filme, recurso utilizado também em 'Anticristo'.
            É inegável que apesar de suas polêmicas, Lars Von Trier é um dos diretores mais importantes da atualidade. Trier parece não ligar se é amado ou odiado, tendo coragem de fazer filmes sempre únicos e pessoais, e muitas vezes desagradáveis. Mas Melancolia não é um filme desagradável: é tão bonito de se assistir quanto a um romance. Transformar a aproximação do fim do mundo com pessimismo em um filme assim é coisa de mestre, e um dos grandes.

A atriz Charlotte Gainsbourg é filha de Serge Gainsbourg, que teve sua biografia retratada no filme ''O Homem Que Amava As Mulheres". Confira a minha crítica no link: http://bit.ly/nSsv11

sexta-feira, 17 de junho de 2011

Meia-Noite Em Paris

            A geração do século XXI não conhece muito Woody Allen. Para alguns, é apenas algum diretor velho que fez muito sucesso, enquanto para outros esse é apenas um dos muitos nomes que se ouve de adultos sem o menor interesse de saber quem é. Limitado nos EUA com lançamentos de pequenas circulações, o que muita gente está perdendo é talvez um dos melhores e mais marcantes diretores do cinema e, que desde que iniciou sua carreira em 1965, vêm trazendo obras memoráveis que são cultuadas até hoje.
            Se Allen não atrai mais uma grande massa de espectadores, ele pelo menos continua a ativa trazendo filmes ora interessantes, ora malucos, ou ambos. Aproveitando a liberdade criativa total que possui para realizar seus filmes, o diretor ultimamente vem abandonando um pouco Nova York e percorrendo o mundo, ambientando suas tramas nos lugares mais tradicionais, opostos as histórias criativas que cria. E um belo exemplo disso é o novo longa 'Meia-Noite Em Paris' (Midnight In Paris), um dos destaques do 64º Festival De Cannes.
            O filme acompanha a história de Gil (Owen Wilson) que vai à Paris com sua noiva Inez (Rachael McAdams). Ele é um roteirista de Hollywood que escreveu um livro e está confiante de que fará sucesso, mas tem vergonha de mostrá-lo até para sua futura esposa. Sua maior ambição é morar em Paris e viver naquela cidade maravilhosa e sonha acordado com a Paris dos anos 20, desejando ter vivido lá naquela época. Porém, um dia a meia-noite sua vida muda quando misteriosamente entra numa carruagem e parte numa noite cheia de classe, onde conhece alguns de seus ídolos como Hemingway. Seria perfeito, se não fosse por um detalhe: eles não estavam mortos?
             Assim, o que parecia ser uma história sobre amor por uma cidade idealizada desde a Belle Epoqué acaba se tornando uma divertida fantasia que transgride entre o presente e o passado na Cidade Das Luzes. Somos então mergulhados a uma interessante mistura de duas épocas numa Paris retratada com muita delicadeza, que transmite toda a beleza da cidade da maneira que o personagem a idealiza. O fascínio pelo lugar fica evidente logo antes do título do filme aparecer e se mantém independente de qual época o protagonista está. E mesmo que o romantismo, o idealismo e o subjetivismo do filme possam parecer antiquados para os filmes de agora, Allen ainda vai mais fundo ao recordar grandes mestres do século XX, sem perder noção da realidade atual e seu bom humor de sempre.
             Criativo, subjetivo e divertido. São as três palavras que melhor descrevem essa obra que vai fazer qualquer pessoa que conheceu ou quer conhecer Paris feliz. Se o passado é o que parece ser mais idealizado aqui, Allen mostra que o presente também tem seu valor. O sucesso de antes pode ter sido bom, mas Allen prova que continua aguçado e talentoso, entregando mais um filme memorável.