quinta-feira, 9 de outubro de 2014

Um cinema de sensações - Entrevista com Philippe Barcinski




Por Alessandra Freitas, Gabriel Fabri, Gabriela Boccaccio e Thaís Varela

Quase sete anos após lançar “Não Por Acaso”, longa-metragem estrelado por Rodrigo Santoro e Leticia Sabatella, o diretor carioca Philippe Barcinski retorna ao cinema com “Entre Vales” (Imovision), filme que conta a história de um homem de classe média-alta que vai parar em um lixão. Já escrevendo o roteiro de sua terceira obra para as telonas, que dessa vez será um thriller, Philippe discute sua opção por um cinema mais sensorial e as motivações por trás de seus dois longas-metragens, obras que tratam de perdas e de homens fragilizados. 

Atualmente, Barcinski diversifica seus projetos entre cinema e televisão, já que “viver de cinema é muito difícil”. Um dos projetos recentes de Philippe é o seriado infantil “Que Monstro te Mordeu”, de Cao Hamburguer, que deve estrear em novembro na TV Cultura. Ele dirigiu 23 episódios do total de 50. 

"Entre Vales" já está disponível em DVD para locação. 

Confira a entrevista:

Como surgiu a ideia para o filme “Entre Vales”? 

Eu fiz uma pesquisa, no lixão Jardim Gramacho (Rio de Janeiro), para um documentário que não aconteceu. Na época, eu fiquei muito impressionado com a movimentação, com o espaço físico, com as sensações. Você vai lá e fica mexido, não sai ileso dessa visita. Conversando com as pessoas, ouvi muitas histórias de perda. Depois quando eu vim pra São Paulo, fiquei impressionado com a quantidade de carroceiros na rua e fui conhecer uma cooperativa. Ali, encontrei muitas histórias de recuperação.

É incrível que o lixo atraia para os lixões histórias de perda e, para as cooperativas, histórias de recuperação. E aí veio a ideia do “Entre Vales”: e se eu contar uma história de perda e recuperação nesses ambientes? 

Essa história de perda e recuperação, tem alguma ligação pessoal com você? 

Acho que sim, os outros filmes também têm. Primeiro a ideia de fazer um cinema que passe sensações, que seja mais que só a história narrada. São histórias em que um personagem vive uma jornada muito intensa e o longa-metragem se presta a passar isso pela construção das cenas, mais do que por sequências comuns de diálogo e dramaturgia. Tem essa coisa de querer construir visualmente e sonoramente sensações que passam por essas pessoas. Mas sim, isso da perda, eu tenho interesse nesse tema.

Que reflexão você pretendia provocar no público? 

É um filme bastante aberto, cada um vê um pouquinho, mas, além da temática do lixo e da perda, para mim é a coisa do personagem. Você pega um ser estruturado e vai esvaziando, esvaziando ele, até que ele não tenha nada e comece a se recompor. Eu achei que isso era uma matéria que eu queria trabalhar. 

Essa questão do ser estruturado e se recompondo tem a ver com a maneira alinear de contar a história? 

Desde o início eu achei que tinha que ser com os tempos entrecortados para ficar nessa questão mais sensorial, é muito mais instigante pra mim. Desde os curtas, nunca senti uma história que eu queria contar em tempo presente. Sempre fui atraído por filmes que propõem associações e vão se montando na sua cabeça, mais do que uma narrativa linear. 

Isso é uma inspiração específica de algum longa metragem, de algum diretor? 

Não, mas eu gosto muito do tempo do filme, ele tem um tempo diferente de todos os outros que eu fiz. O ator respira em cena, você deixa ela acontecer com calma, então acho que ele segue uma escola de cinema contemporâneo próximo a Dardenne, por exemplo. Quando eu estava filmando o fotógrafo falou do Béla Tarr, um diretor que constrói climas com a câmera, mais do que narrar. Então estava com um pouco disso na cabeça, mas nada chega a ser uma inspiração direta. 

E você vê alguma influência da tradição do cinema brasileiro no seu filme ou na sua carreira em geral?

Eu vi, quando estava na faculdade, obras do Glauber Rocha e filmes como “O Bandido da Luz Vermelha”. São longas que não são simplesmente uma história narrada, eles procuram sensações, isso eu acho que me atrai muito. O cinema mais contemporâneo brasileiro tem filmes que me atraem por isso também, como “O Céu de Suelly” e “Lavoura Arcaica”. Mas não me sinto filiado a uma escola, não.

O que você acha do atual momento do cinema brasileiro?

O momento atual é de um volume de produção grande e segmentado. Há um grupo de filmes que fazem parte de um cinema comercial industrial e que conseguem atingir um público – são as comédias populares, os filmes policiais e biografias de personalidade da cultura brasileira cujo comportamento ecoa em questões contemporâneas; há uma fatia de filmes de arte bastante irregulares que visam principalmente o mercado externo, mas cuja a maioria não está conseguindo penetrar nos principais festivais; e há uma série de filmes médios que acabam ficando em um limbo entre esses dois extremos.

Meus anseios são que haja mais obras de sucesso que não sejam com esses perfis, ampliando nosso repertório e que haja mais filmes de arte de qualidade que consigam entrar nos principais festivais internacionais, conquistando distribuição mundial. Há muito o que o governo fazer, mas a bola, na minha opinião, está no pé dos diretores e produtores.

No “Não Por Acaso” você faz uma analogia entre as relações humanas, o fluxo de trânsito e um jogo de sinuca. Você acha que essas coisas não são por acaso? Acredita em destino?

Para mim, o que fica é que os dois filmes buscam metáforas visuais a partir de elementos que eu achei que tinham potencial. Então, o trânsito e sinuca tão lá sendo trânsito e sinuca, mas significando outras coisas. Significando dois caras tentando controlar dentro de um sistema físico. No “Entre Vales”, o lixo também significa mais do que o lixo.

A curva dramática do “Não Por Acaso” são pessoas que querem controlar tudo e descobrem que a vida não pode ser controlada. Isso me move mais do que um pensamento sobre o destino.

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