Na peça Bonitinha, mas ordinária, Nelson Rodrigues apresenta uma trama que expõe algumas das idiossincrasias da classe média e alta brasileira. O preconceito com os negros, o papel submisso da mulher, a motivação por dinheiro e o tabu da virgindade são alguns dos problemas tocados nessa obra, que tem como tema central o assédio sexual. Tamanha a atualidade do texto de Rodrigues, autor cujo centenário foi completado ano passado, Bonitinha, mas ordinária ganha sua terceira adaptação para o cinema.
Edgard (João Miguel) é um sujeito caricato que toma uma frase de Otto Lara Rezende como motivação (ou justificativa) para "subir na vida" sem grandes compromissos éticos. Seu amigo Peixoto propõe a Edgard uma maneira de enriquecimento fácil: deve-se casar com uma garota, mais especificamente a filha do chefe, Maria Alice (Letícia Colin). Entretanto, Edgard, ao mesmo tempo que é atraído pela oportunidade, também possui sentimentos por sua vizinha Ritinha (Leandra Leal), uma professora totalmente dedicada à mãe e à família.
O filme de Moacyr Góes (Trair e Coçar, é só começar) abusa de close-ups, deixando o espectador muito próximo dos personagens e desafiando ainda mais os atores. Embora a atuação de João Miguel seja um tanto exagerada e pedante, o que é justificável pois o personagem é assim, o elenco é muito competente e tem ótimas atuações. O close nos atores parece uma tentativa de fugir da proximidade do texto com o teatro, possibilitando, teoricamente, um maior envolvimento por meio da cartilha cinematográfica.
Entretanto, o resultado é falho. Mesmo com o uso dos closes, sua obra não funciona como filme. Primeiro, porque o roteiro praticamente não sofreu alterações com relação à peça. Estão lá os mesmos diálogos do texto do Nelson Rodrigues, o qual tentou-se ao máximo deixar intacto. Todavia, o que funciona nos palcos funciona da mesma maneira na tela de cinema? A resposta é não. Tudo passa muito rápido, tudo parece simplista e fútil e, para quem conhece a peça, o filme não agrega nada de novo.
Bonitinha, mas ordinária não é uma adaptação - é a peça filmada. Inegável a habilidade de Góes com seus atores, e a decisão dos close-ups foi sem dúvida certeira. Mas qual o valor que o filme agrega ao legado de Nelson Rodrigues? Qual o seu valor como arte, se tal peça já foi encenada tantas vezes, se o filme não ousa transcender o texto original, já adaptado anteriormente? Nenhum. Rodrigues virou apenas um mero entretenimento e mais um exemplo de um cinema brasileiro preguiçoso.
A sequência de abertura da obra, logo de cara com um flash de um estupro, parecia indicar que o filme iria ousar na reeleitura de Rodrigues. Doce ilusão.
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