quarta-feira, 8 de abril de 2015

Últimas Conversas


Por Gabriel Fabri

"A gente está fazendo um filme aqui que deve dar errado", afirma Eduardo Coutinho, com bom humor, à primeira jovem que senta diante de sua câmera em "Últimas Conversas". O longa-metragem, dirigido por Coutinho e finalizado por João Moreira Salles após a trágica morte do documentarista em 2014, retrata histórias de jovens de uma escola pública de ensino médio, no Rio de Janeiro. 


Em uma rápida introdução, o falecido cineasta de "Cabra Marcado Para Morrer" comenta o próprio filme, dizendo não estar mais afim de realizá-lo. Ele preferia entrevistar crianças. Mas, de fato, seguiu com a ideia de conversar com adolescentes, para que os jovens desabafassem sobre suas vidas. 

O resultado é um rico documentário, envolvente, emocionante e muito triste. De frente para as câmeras, os personagens se abrem, revelando as suas cicatrizes mais pesadas. O drama é quebrado, ou incentivado, pelas pequenas e marcantes intervenções de Coutinho, que estimula os jovens a falarem, com frases de efeito engraçadas ("você tinha razão que adolescente é debil mental"), ou provocações que pegam de surpresa os entrevistados. 

Com muita tristeza, os jovens revelam casos de abuso, racismo, bullying e de abandono dos pais - a maioria dos entrevistados não tem contato com o pai biológico, por exemplo. Também contam um pouco de seus sonhos, que muito dizem sobre eles. "Últimas Conversas" é um retrato contundente da juventude brasileira, ou pelo menos, de uma parcela dela, mais humilde. 

O contraste entre as personalidades dos personagens, tão diferentes em alguns pontos, tão semelhantes em outros, torna a obra bastante interessante, de modo que os depoimentos não cansem. Só mais ao final, quando os jovens começam a ficar menos tempo diante das câmeras, e as histórias parecem começar a se repetir, que o filme perde um pouco de força. Mas a "Últimas Conversas" é reservado um grande final, com a única personagem feliz do filme. E é claro que se trata de uma criança.  Para pensar: curiosamente, a única de classe média alta entre os entrevistados. 

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