domingo, 24 de novembro de 2013

Jogos Vorazes: Em Chamas



Por Gabriel Fabri

No início de 2013, a doutora pela USP Silvia Viana lançou, pela Boitempo Editorial, o livro "Rituais de Sofrimento", em que analisa produtos culturais, em especial os reality shows, como verdadeiros espetáculos de horrores, transformados em entretenimento. São, como o nome da obra deixa claro, rituais onde os participantes se submetem a sofrimentos, acompanhados por uma grande audiência. A nítida crítica de Jogos Vorazes a esse tipo de programa de televisão ressalta o caráter perverso e alienador dessa cultura, ao associá-lo com a manutenção de uma ditadura e elevar esses sacrifícios às próprias vidas dos participantes, tornando o vencedor não o único vitorioso, mas o sobrevivente. No segundo filme da franquia, Jogos Vorazes: Em Chamas, de Francis Lawrence, as cenas de ação se tornam mais empolgantes, mas nem por isso a crítica social e cultural é deixada de lado.

Na nova trama, Katniss Everdeen (Jennifer Lawrence, vencedora do Oscar por O Lado Bom da Vida) está de volta ao 12º distrito, aonde aguarda o início de uma turnê com o colega Peeta (Josh Hutcherson), em que percorrerá todos os distritos de Panem, uma versão distópica de um Estados Unidos no futuro. A sua vitória na última edição dos jogos, marcada por provocações à ditadura em vigor, mudou o clima nas regiões mais pobres, e a ameaça de revolução torna Katniss uma figura perigosa, um símbolo de resistência que incomodará - e muito - os poderosos.

Agora, a espetaculização do sofrimento não é mais o foco principal, embora os indícios de uma mídia cínica e manipuladora, e a necessidade dos participantes de construírem versões falsas de si próprios para sobreviverem nela, estejam em forte evidência. A máscara da ditadura da Capital caiu, e a pior face dela é revelada: a repressão, a exorbitante desigualdade social, o caráter alienador dos jogos e o glamour sem sentido, até desconcertante, em torno dos vencedores. Curiosamente, coisas que vemos, em graus menores, na atualidade, no mundo inteiro.

Só todas essas questões envolvidas, que estão muito bem articuladas, já podem fazer o público pensar mais que em muitos filmes franceses ou iranianos, por exemplo. Todavia, é claro que grande parte delas devem ser creditas à autora do livro no qual o filme homônimo se baseia, Suzanne Collins. Mas as questões estão presentes, traduzidas de maneira clara, sem ser panfletária ou massante, para a linguagem cinematográfica. Em Chamas choca e entretém nos momentos certos, constrói uma trama complexa e envolvente e cria boas sequências de ação para nenhum outro blockbuster hollywoodiano botar defeito.

Interessante também pensar no caráter metalinguístico dos dois filmes. Ao mesmo tempo em que se critica a cultura dos reality shows, o próprio público do filme assiste aos rituais de sofrimento dos personagens, vibrando com a ''eliminação'' dos concorrentes de Katniss, atento a cada reviravolta. A diferença parece está em um fator que o próprio Em Chamas explica: a esperança, representada na personagem principal. 

Em tempo: recomendo essa música linda que faz parte da trilha do filme. Infelizmente, não toca nem nos filmes e nem nos créditos. Então, dê o play em "We Remain", da Christina Aguilera, abaixo:


Um comentário: